“Os Subterrâneos da liberdade 1: os ásperos tempos”, de Jorge Amado

Nota da Pedra Lascada  Por meio da constituição de personagens marcantes e de uma narrativa fluente – aliás, esta sendo certamente uma das características do autor -, Jorge Amado recria o período histórico denominado Estado Novo. Para ilustrar, em lembrança ao Dia do Trabalhador e ao contexto sindical – mundialmente falando, claro, claro! – não encontro nada mais significativo do que os trechos a seguir. Boa leitura e, se possível, leia o Romance todo!

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“Lucas aproximou o rosto, Eusébio disse:

– Alto funcionário do Ministério do Trabalho. Sou um dos encarregados da questão sindical. E preciso de gente boa para ajudar. Homens de coragem e decididos, capazes de enfrentar e liquidar os comunistas nos sindicatos. Compreende? Precisamos de dirigentes sindicais, de funcionários do ministério que tomem conta dos sindicatos e façam deles traqnuilas associações de trabalhadores em vez de ninhos de agitação social. Se você quiser vir trabalhar comigo…

– É claro que quero. Um conto de réis, você disse?

– Pra começar, meu caro. E, se você se mostar correto, eu lhe ensino como se pode ganhar muito mais. – Baixava a voz: – Há os institutos dos Industriários, dos Comerciários, a Caixa da Aposentadoria e Pensões… Mamatas, meu velho, cada mamata que é só deixar o leite escorrer…” [p.101].

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“Trabalhando desde 1930 no ministério, agindo nos sindicatos, Eusébio se tornara um técnico daquilo que chamavam nos meios governamentais a ‘política trabalhista’. Viera a São Paulo com importante missão: devia preparar o terreno para a visita de Vargas, alguns dias depois do golpe, ao centro da oposição ao seu governo. Essa visita devia ser realizada a convite dos trabalhadores e culminar numa grandiosa manifestação ao ditador que pronunciaria então um discurso fixando os rumos da política social do novo regime, a “conciliação de classes”, a harmonia entre o capital e o trabalho. Essa manifestação seria uma advertência aos políticos inimigos do regime, serviria para ampliar a base social do governo, golpearia também a agitação comunista.

Mesmo antes do golpe, Eusébio vivia numa atividade febril, entrevistando-se com personalidades da polícia, com integralistas, com os agentes do ministério no seio dos sindicatos, mantendo ligações com proprietários de fábrica e com os americanos da Ligth. A emissão radiofônica, nessa primeira noite do novo regime, deveria lançar a ideia da manifestação. Falariam aos “representantes” das classes trabalhadoras dando seu apoio ao Estado Novo e convidando Getúlio a visitar São Paulo para receber a prova da sua solidariedade. Lucas falaria pelos comerciários, um ex-empregado de uma fábrica têxtil, espião durante uma greve e atual investigador da polícia, pelos têxteis, agentes ministeriais por outros ramos de indústrias.

Lucas soubera nesses poucos dias torna-se indispensável a Eusébio Lima. Não fora ele quem resolvera a maior dificuldade da manifestação projetada? O temor de Eusébio era que os operários não comparecessem. Com os americanos e com os patrões de diversas empresas acertara já a paralisação dos trabalhos no dia da manifestação , e contava com os integralistas, os investigadores de polícia, os funcionários do ministério para fazer número, para dirigir os aplausos, para gritar: “Viva Getúlio!”. Mas, se os trabalhadores, no inesperado feriado, em vez de irem à manifestação fossem descansar em suas casas? A manifestação pouco significaria, pouco resultado político teria, se os trabalhadores não comparecessem. Foi Lucas quem sugeriu:

– E se a gente fizer a coisa num estádio de futebol, com uma boa partida entre dois clubes populares, após os discursos? Vai encher completamente, todo mundo irá para assistir à partida de futebol…

– Isso é uma ideia-mãe. Um time do Rio, outro de São Paulo. Seu Lucas, você deu com a coisa… – E Eusébio Lima acrescentou, num entusiasmo: – Vou lhe recomendar pessoalmente ao doutor Getúlio. Você vai longe…

Quando finalmente terminou o seu discurso, Lucas o leu em voz alta. Manuela voltara e, sentada numa cadeira, escutava o irmão, uma admirativa ternura no olhar. Quando ele concluiu, ela lhe perguntou:

– Ele é mesmo bom assim, esse Getúlio Vargas? Merece tanto elogio?

– Bom ou ruim eu sei lá… O que sei é que com ele eu vou subir. Agora, Manuela, ele manda sozinho, faz o que quer e o que bem entende, compreende? E Eusébio me prometeu que ia me recomendar a ele pessoalmente… Ou tu pensas que eu vou querer ficar nesse conto e réis por mês no ministério…” [pp. 133, 134]

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Fonte: Os subterrâneos da liberdade: os ásperos tempos. – São Paulo: Companhia das letras, 2011.

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