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Por Isso Agora Falo

Falo como poeta
Eu sou livre e não sabia
Mas essa inconsistência do papel
E essa minha língua vermelha, mordida
Carne, nervos e sangue - o doce aroma
Corte exposto no indicador esquerdo
Eu sou poeta e não sabia.

Eu sou poeta e não queria
Conhecer a louca esperança tonta
Que faz a escrita toda torta
O vício da rima e o vício da mina
Só, mano, é isso aí! Pra sair do contexto
Nada do que faço é certo
Eu sou o homem no deserto.

Falo com o falo
À flor da pele o hormônio
O palavrão improferível
A idade média da razão
Eu sou o fruto que sai da terra
O ofídio - tal como, frio e paciente
Eu sou poeta e não sentia.

Não sentia que era isso
Essa coisa, esse asco
Essa pedra bruta, esse fiasco
Esse profundo fundorifício
Detalhado na teta e na testa
Marca de fuzil alemão
Que eu nunca vi.

Não, menina, eu não vou fugir
Apenas quero me esconder
Desse jeito meu (seu) de ser
Da fantasia de sua boca na minha
De seus lábios carnudos, calientes,
Tangendo a fímbria do amanhecer...
É que sou poeta e não dizia.

Por isso agora falo.

.

[M.S. / Em algum momento do milênio passado]

Vastidão

Bomba.

       Bamba

Bambu.

O frio corta a alma
que tropeça, calma,
                  sôfrega,
                  trôpega

Cana-de-açúcar
pinga, garapa, 
               tinta
ginga, gincana
cultura química

O corpo, veloz,
corta o vento

A navalha corta
            o tempo
esgotando-se
cada gota rubra
          e espessa

Espera. O dia custa 
a chegar 
Dia composto em roda 
                     de samba
                              raíz

                    Quem diz
que é mais forte
              que o infinito
pode até pensar bonito
            mas engana-se

                   Esgana-se
a cada minuto 
hora segundo
isso é o que eu lia
e me sentia diminuto
nesse mundo mundo
            vasto mundo

Uma rima,
uma solução,
para estar por cima
é aprender a dizer 
                         não

É uma pena!
Como no poema
mais vasto é esse meu 
                      coração.



Imagem em destaque: A Lua, de Tarsila do Amaral

Estamos em greve!

Estamos em greve!

Desde o dia 27 de Março os funcionários públicos de São Bernardo do Campo estão em greve, em sua maioria professoras e professores. Mas vocês sabiam que ao contrário do que pensam alguns, inclusive o prefeito da cidade, não gostamos de estar? Não gostamos de estar longe das nossas crianças, dos espaços de nossas escolas e dos nossos projetos. Ao contrário! Sabemos bem do papel que desempenhamos na sociedade e lidamos com sentimentos de culpa e frustração diariamente. Eu por exemplo, gostaria de estar fazendo tinta com o Urucum que deixamos secar, ele deve estar perfeito agora. Seria uma delícia escorregar no morro e ler história embaixo da sombra da árvore no gramado. Sem contar o calendário de abril que ainda não foi feito… Talvez o casulo já esteja vazio. Me pergunto também se perdemos a oportunidade de observar alguma chuva da janela. São tantas as narrativas que se fazem no cotidiano… Elas fazem falta! Fazem falta para as crianças, fazem falta para os professores. Não fazia parte do plano de ninguém parar, deixei um cartaz para terminar na sala dos professores, tesoura e cola também.

Parece contraditório, já que temos escolhido permanecer em greve, não é mesmo? Acreditem, não há contradição aqui. Entendemos que a Educação, assim como a escola, é viva e feita de muitos contextos que vão se alinhando, por vezes desalinhando. Há incômodos e dificuldades em nossos dias que vamos tentando driblar e passar por cima, para atender da melhor maneira nossas crianças. No apoio mútuo vamos fazendo acontecer o que é possível, porque só o que temos, como diz Emicida, “é uns aos outros”. Não pensem que não sinalizamos o que estamos em desacordo, nossas angústias e nossos entraves. Pontuamos, trocamos, buscamos estratégias e parcerias. Mas, noto que estamos cada vez mais sós, enquanto nossa demanda aumenta. Decisões são tomadas de maneira arbitrárias e contrárias ao que acreditamos ser garantia de qualidade, nos fazendo questionar se de fato foram pensadas por pessoas que entendem a complexidade da Educação e que queiram realmente garantir boas experiências e aprendizagens às nossas crianças.

Sair de nossas escolas e criar movimentos nas ruas para dar visibilidade a esses incômodos foi necessário e corajoso. Precisamos dizer que não está tudo bem, que estamos longe de estar bem e que precisamos de escuta. Educação como projeto emancipatório é construção que se faz no diálogo. Queremos uma Educação que seja permanência e continuidade. Não queremos em nossas escolas projetos que só dão boa publicidade e geram votos. Permanecer nas ruas, mesmo com tentativas do governo de diminuir, desacreditar e deslegitimizar nossa voz e nosso movimento para a cidade, é de uma coragem ainda maior, imensurável.

Ao contrário do que querem fazer a população acreditar, não somos massa de manobra do Sindicato, ele nos representa levando adiante nossas inquietações e decisões. Estamos sendo norteados pelos incômodos gerados pelas injustiças vividas por essa Gestão, e isso vai além de questões partidárias, lembrando que não somos nós que gastamos dinheiro público trocando as cores de uniformes, placas das escolas e muros para demarcação de território. Com muito assombro ouvi o prefeito da cidade levar nossa luta para o partidarismo, inclusive mencionando prefeituras vizinhas representadas pelo partido de oposição, para uma delas também presto meus serviços. Sobre isso gostaria de dizer primeiro que trabalhamos em São Bernardo do Campo, então a ótica de discussão deveria ser o que acontece na cidade, mas já que um comparativo foi feito, me sinto à vontade para continuar: saliento que na prefeitura vizinha, apesar de ser uma cidade com menos indústrias, menos arrecadação e de capital inferior, os salários e planos de carreira de seus funcionários são superiores, o vale alimentação não tem desconto caso o funcionário falte quando adoece, o vale transporte é pago de maneira integral e a campanha salarial de 2023 já está em curso, a programação da mesma está organizada e a mesa de negociação antecede a data de uma possível paralização.

Professor é trabalhador, necessita de dignidade salarial para garantir uma existência igualmente digna. Obviamente a greve também trata dessa demanda e isso é legítimo. O prefeito não se abriu para o diálogo, mais uma vez se articulou de maneira impositiva e esperava nossa aceitação. Queremos uma negociação já! Não na segunda quinzena de abril, incertos de tudo que será proposto. Nos ameaçar com os descontos, após dizer que respeita o direito de greve só gera mais indignação e agravamento da situação.

Ignorando a força da greve e querendo fazer a população acreditar que as crianças que estão indo para a escola estão sendo atendidas plenamente pelos profissionais que ainda estão lá, é um ataque ao direito de aprendizagem delas. Sinto dizer, que as crianças não estão sendo atendidas como deveriam e essa negação é o que está prolongando a greve e de fato está trazendo prejuízos. Os descontos nos preocupam, mas também nos preocupa não ter a possibilidade de repor as aulas para as nossas crianças. Entendem o tamanho do problema? Então eu me pergunto: para que? É uma queda de braço? Isso é política ou imaturidade/irresponsabilidade? De qualquer maneira, é cansativo jogar esse jogo. Mas, reitero que o cansaço maior vem do acúmulo de tudo que antecedeu nossa decisão de greve. Queremos voltar ao trabalho, é claro! Mas, não sem ser ouvidos, não sem seriedade, não com inverdades.

Nós da Educação desejamos e pedimos a GCM nas escolas há tempos, levantamos as problemáticas do Educar Mais desde a implementação, temos pontuado as perdas da substituição dos auxiliares por cuidadores terceirizados, ainda assim temos indicado a falta desses profissionais; muitas escolas estão clamando por reformas e manutenções além de pinturas, faltam profissionais de AEE para nos apoiar numa inclusão qualitativa, precisamos urgentemente de ações efetivas de órgãos além da escola (assistência social, conselho tutelar, atendimento multidisciplinar incluindo psicólogos, psiquiatras, neurologistas, fonoaudiólogos, etc.) para as situações que nos fogem.

Não estão nas ruas os profissionais da Educação que não querem trabalhar. Estamos nas ruas denunciando as dificuldades que estamos encontrando para exercer nosso trabalho. E não estamos tendo escuta! E isso também é uma denúncia.

Micleane Pereira Crispim
Professora

Embalo

Embala-se no ar
Ao som da nova canção
Sob o áureo luar
Palpitando o coração.

Ao longe o mar
Perfazendo a emoção
Navegar, navegar!...
Perder-se na razão.

Em transe albaroar
Sem qualquer objeção
No cais da mente açodar
Parte-a-parte o coração.

Embala-se na noite
O silêncio suave
Passos d'um coiote
E um cingir de chave...

[M.S.]

Imagem em destaque: Johannes Plenio em Pexels.com