PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.
2. A infância, desenvolvimento e socialização
Para Manuel Pinto, embora seja um conceito relativamente recente, a socialização das crianças é um processo “tão antigo como as sociedades humanas”.
Assim o autor define que a socialização é o “processo através do qual os indivíduos apreendem, elaboram e assumem normas e valores da sociedade em que vivem, mediante a interacção com o seu meio mais próximo e, em especial, com a sua família de origem, e se tornam, desse modo, membros da referida sociedade”.
Conforme nos esclarece, a socialização tem sido abordada a partir de duas maneiras distintas: a partir da sociedade e dos agentes socializadores (perspectiva segundo a qual a “questão central consiste em saber como é que uma dada sociedade transmite/ inculca valores, crenças, normas e estilos de vida”); ou então a partir dos indivíduos em processo de socialização e dos respectivos mundos sociais (nesta, o centro são a atividade dos indivíduos, os processos de apropriação, de aprendizagem e de interiorização).
Opondo-se à idéia de socialização como uma espécie de “programação cultural”, isto é, de inculcação, de absorção passiva das “realidades com que entra em contato”, Pinto recorre a Giddens, para quem a criança é um ser ativo nesse processo; mas alerta para o fato de que “os pressupostos de uma parte importante dos modelos conceptuais elaborados acerca do processo de socialização continuam a privilegiar a vertente da sociedade e do mundo adulto, deixando mais ou menos explícito o caráter constrangedor e programador deste e o papel meramente adaptativo do indivíduo” – nesse caminho segue Talcott Parsons, pra quem a socialização se constitui numa “das alavancas fundamentais da construção do consenso social”; em sentido oposto, encontra-se Wrong, que classifica como adestramento essa noção de socialização de Parsons.
Buscando uma via diferenciada, Piaget concentra sua teoria de socialização “nos processos mentais e na noção de construção por parte do indivíduo”, atribuindo a cada estádio de desenvolvimento uma forma correspondente de socialização. Dialogando com Durkhein, ora aproximando-se deste, ora contrapondo-se, Piaget concluiu que “existem relações sociais específicas que são características dos grupos infantis”, com regras próprias que, “nem por isso, deixam de ser sociais”.
Fazendo uma leitura crítica, Chris Jenks compreende que, subjacente à teoria piagetiana, está “implícito um paradigma de racionalidade científica caracterizado por um elevado grau de abstração, generalização, de natureza lógico-dedutiva, erigido como ideal para o qual a criança em processo de socialização deveria tender”. Chama a atenção para a falta de questionamento e não explicitação desses pressupostos e, ainda, que a adoção de um “modelo de adulto sério e racional tenderia a fazer encarar o jogo como uma atividade trivial e não séria”. Jenks, por sua vez, considera o jogo como “uma dimensão importante do trabalho da criança enquanto membro de uma sociedade”.
A secundarização, atribuída a Piaget, ao papel da linguagem também é criticada por Jenks. Pinto nos esclarece que, para Piaget, o desenvolvimento lingüístico é resultado do desenvolvimento cognitivo, enquanto para os psicólogos russos, entre os quais destaca-se Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo é impulsionado pelo surgimento da linguagem e, consequentemente, do pensamento discursivo. Com posição intermediária, Bruner considera que, “no caso dos bebês, é verdade que é o desenvolvimento cognitivo que precede e influencia o desenvolvimento lingüístico”, mas isso muda quando a criança passa a dominar a linguagem como instrumento do pensamento. (CONTINUA…)