Carta Aberta a uma Coordenadora Pedagógica

Nota da Pedra Lascada, em 03 de abril de 2011: A carta que segue abaixo foi escrita com o intuito de debater e responder algumas afirmações a respeito de supostos posicionamentos defendidos pelos diretores escolares que fazem parte da Comissão Setorial de Educação do Sindserv de SBC. Por conta desta carta, recebi muitas manifestações de apoio e algumas manifestações (geralmente indiretas, quer dizer, por meio de recados de terceiros) de desapreços, inclusive com insinuações e até mesmo afirmações categóricas que me atribuíam o papel de inimigo público nº 1 das coordenadoras pedagógicas – mas esse é mais um equívoco, que acredito só ter sido possível devido a uma leitura pouco atenta – e afetada – da carta. Tenho certeza de que uma leitura despreconceituosa, aliado ao tempo, desanuviará esta questão. À época, identifiquei a destinatária justamente porque não queria tratar as questões de forma generalizadas, sob o risco de pensarem que estaria me referindo ao coletivo das CPs. Ressinto-me de que esta escolha, infelizmente, possa ter contribuído para o definitivo afastamento da pessoa em referência das atividades da Comissão, e sinceramente considero tal afastamento uma perda, até mesmo porque entre outros abaixo mencionados, um dos méritos da carta escrita pela colega CP está justamente em manifestar a necessidade de se colocar urgentemente em debate a tão delicada questão das relações interpessoais e de poder dentro das escolas – no meu entendimento, havia aí apenas um problema quanto ao foco, pois, como argumentei na carta, não creio que é uma discussão meramente de hierarquia, mas sim – e aí me faltou aprofundar – de autoridade, no sentido de autoria, de legitimidade, de assunção e reconhecimento, coisas essas que a posse formal de nenhum cargo, por si só, consegue contemplar, porque a autoridade não é dada pela posição hierárquica, pois o profissional pode ter um cargo que se supõe “hierarquicamente inferior”, mas ter autoridade total no exercício de sua função e, assim, ser respeitado, reconhecido e validado em suas atividades (o contrário disso também acontece). [M.S]

***

São Bernardo do Campo, 11 de novembro de 2010

 

[Algumas] pessoas criam regras que não cumprem,                                                                                              

impõem comportamentos que não têm,

esperam o respeito que não dão

e ditam princípios que não seguem”.

(Angela Beirão)

*

Acreditar na existência dourada do sol
Mesmo que em plena boca
Nos bata o açoite contínuo da noite”

(João Bosco e Aldir Blanc)

.

Nota prévia: Parto do princípio de que, em que pese o reconhecimento de que todos os profissionais que atuam na educação devem ser considerados e devem ter postura de educador,  a centralidade do processo educativo, para concordar com Miguel Arroyo, não está nem no papel do diretor escolar, nem no papel (ambos fundamentais) do coordenador pedagógico, mas sim na relação professor-aluno; relação essa que motiva a existência da direção e da coordenação, bem como dos demais profissionais da educação. (M.S.)
 .

Cara colega Coordenadora Pedagógica,

Após a reunião desta terça-feira, 09 de novembro, tomei conhecimento de um e-mail que circulou entre algumas pessoas de nossa Rede de Ensino, encaminhado por você, no qual trata de assunto de seu legítimo interesse; a saber: a atribuição das coordenadoras pedagógicas neste final de ano, entre outros assuntos.

É inconteste o direito de qualquer um manifestar suas opiniões livremente e, portanto, posicionar-se a favor ou contra o que bem entender, ou acreditar. Igualmente, cabe a cada um a responsabilidade sobre o que enuncia, em particular ou para um coletivo.

Nosso querido Rubem Alves, no seu belíssimo artigo Escola: Fragmento do Futuro, tornou imortal uma expressão que me vem sempre à memória em momentos de intensos debates como os que temos vivenciado: “o corpo não luta pela verdade pura, mas está sempre pronto a viver e a morrer pelas coisas que ele ama” e (livremente acrescento) pelas coisas que ele acredita.

E nisso há que se reconhecer o mérito da mensagem encaminhada por você, que é a defesa de seu ponto de vista e, melhor, a importantíssima e manifesta preocupação quanto à construção da identidade profissional de um segmento que, num sentido amplo, está se constituindo em nossa Rede – o da coordenação pedagógica.

Por isso mesmo, as opiniões manifestadas na referida mensagem merecem maior aprofundamento reflexivo; porém, a legitimidade da pauta não pode prescindir do compromisso com a veracidade das informações divulgadas, principalmente quando estas informações podem induzir os destinatários a fazerem um juízo errôneo a respeito de terceiros que, acrescente-se, sequer tiveram o direito ao contraditório, uma vez que desconheciam o envio e o teor da mensagem.

Neste sentido, embora não tenha sido nominalmente citado, mas moralmente ofendido enquanto profissional da educação, diretor escolar e membro da Comissão Setorial da Educação, tenho a liberdade, o direito e a obrigação de manifestar minhas opiniões a respeito do assunto tratado e das opiniões emitidas.

Quanto à atribuição proposta pela SE, expressei o meu entendimento na penúltima “reunião administrativa”, isto é, que não considero adequado oferecer a um grupo a oportunidade de escolher se entra ou não na atribuição, enquanto outro grupo é obrigado a entrar. Na ocasião, perguntei se existiam parâmetros legais para fazer desse jeito, porque de fato tenho dúvidas quanto à legalidade desse processo.

Trata-se principalmente de uma discussão de natureza ética, cuja questão deve se pautar pelo favorecimento à melhor organização da Rede de Ensino, e não pelos interesses pessoais. Afinal, a coordenadora que assumiu a escola após o pessoal que foi chamado primeiramente, também pode ter construído “um vínculo de trabalho que precisa de continuidade nos próximos anos para ter sucesso”. E que o sucesso dela represente também o sucesso da Escola! 

De qualquer forma, na ocasião, como a reunião era somente para os diretores, concordamos que esta discussão deveria envolver as próprias coordenadoras, que não haviam sido convocadas naquela data.

Aliás, é preciso esclarecer: desmando é infração, transgressão de ordem ou preceito, abuso de poder. Assim, pergunto: caso não haja amparo legal para realizar esta atribuição nos moldes pretendidos, isto deixaria de se configurar desmando só porque estaria em consonância com o desejo até mesmo de uma maioria de profissionais?

Com relação à questão da relação entre coordenador pedagógico e diretor escolar, concordo que estas questões precisam ser bem discutidas.

A questão de assédio moral, por exemplo, não pode ser tratada de uma maneira generalista, como se fosse uma prática predominante e exclusiva dos diretores escolares.  Assédio moral é fruto da tradição autoritária de nossa sociedade, se manifesta de muitas formas, desde as mais rudes às mais sutis, e deve ser banido das relações humanas.

Acho estranho, por exemplo, quando uma repartição pública coloca em seus quadros de aviso (geralmente próximos aos balcões de recepção), aqueles cartazes com os dizeres: “Desacatar funcionário público no exercício de sua função ou em razão dela: Pena – detenção de seis meses a dois anos, ou multa”. Talvez não seja assédio moral, mas é tão desrespeitoso quanto, porque trata como potencial agressor todo e qualquer cidadão a ser atendido. E quando o adulto grita com a criança, ou lhe passa um sermão na frente dos demais coleguinhas, ou a obriga a comer toda a refeição porque “ela tem de aprender a colocar menos da próxima vez”… Não estaria também cometendo uma espécie de assédio moral?

Infelizmente, o poder público municipal ainda não criou uma lei para punir a prática de assédio moral, que tem de ser considerado crime, assim como o Capítulo V do Título I da Parte Especial do Código Penal Brasileiro, em seu artigo 139, tipifica como crime a difamação, que consiste em atribuir a alguém fato determinado ofensivo à sua reputação.

 Como você não me conhece, nem eu a conheço, quero acreditar que foi apenas por um problema de organização textual que, ao discorrer sobre a questão da hierarquia entre diretores e coordenadores, não fez diferenciação de pessoa e acabou por atribuir a todos os diretores que fazem parte da Comissão de Educação, indistintamente, e por isso a mim também, ato que não corresponde nem aos meus princípios, muito menos às minhas ações.

Você manifesta a preocupação quanto à falta de clareza sobre a questão da hierarquia entre diretor e coordenador pedagógico.

Neste pouco mais de três anos como diretor escolar, não havia refletido sobre esta questão da hierarquia e da subordinação neste viés, pois os princípios que regem a minha prática passam longe do pensamento gerencial da administração científica, que sempre descamba para a queda-de-braço, para saber quem manda mais e quem manda menos, isto é, na famosa e autoritária expressão “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.  

Para que possa se esclarecer devidamente e compreender que não se trata de hierarquia, mas sim de especificidades de cada função, sugiro uma leitura das atribuições de cada uma delas. Você poderá verificar que algumas responsabilidades são compartilhadas, mas as atribuições são específicas.

Aliás, tendo em conta a função social da escola e as peculiaridades do processo educativo, é que se exige do diretor escolar formação e experiência pedagógica, e se lhe atribui dupla responsabilidade: organizar as ações pedagógicas e as ações administrativas (neste sentido, não somente as férias dos coordenadores pedagógicos, mas também as dos diretores escolares – e dos demais profissionais da educação – deveriam coincidir com as férias dos professores e das crianças).

O diretor escolar é o “responsável principal pela ação gestora” – não o único. Ele compõe a direção escolar – isto é, a equipe de gestão – juntamente com o coordenador pedagógico (e, em alguns casos, com o professor de apoio à direção); estes, devido à natureza do processo educativo e às finalidades do trabalho escolar, precisam atuar em parceria para que a escola alcance seus objetivos e cumpra a sua função social.

No entanto, essa parceria não é suficiente para garantir o alcance desses objetivos e da função social da escola e, assim, como sustenta o PPP da EMEB Fernando Pessoa, a equipe de gestão precisa articular “os diversos segmentos profissionais atuantes na Unidade Escolar, o corpo discente, os pais, responsáveis e demais sujeitos e instituições da comunidade local que possam também contribuir para a formação educacional de nossos alunos”.

Desta forma, o problema da gestão da escola não pode ser solucionado pela hierarquização das relações entre os trabalhadores, mas passa necessariamente pelo reconhecimento e respeito às atribuições específicas de cada membro da equipe escolar. Embora o coordenador pedagógico tenha de participar, em parceria, da gestão escolar, legalmente ele não responde por tal gestão.

A despeito de entendimentos distorcidos em relação a esta questão, é o diretor escolar que, no exercício de sua função, responde pela escola como um todo, desde o próprio público, os bens e equipamentos, os funcionários (incluindo aqui o coordenador pedagógico)… Por mais coletivas e compartilhadas que sejam (e precisam ser!) as decisões na escola, devido às suas atribuições e responsabilidades, continua sendo o diretor que é convocado a prestar contas dessas decisões.

Diante disso, e analisando as atribuições de cada função, você continuaria indagando se diretor escolar e coordenador pedagógico são “cargos de chefia equivalentes”?

Na verdade, antes de discutir se são ou não equivalentes, a primeira pergunta, que não foi feita, deveria ser: coordenação pedagógica é “cargo de chefia”? Pessoalmente, tenho minhas dúvidas, porque, apesar de se revestir de função estratégica primordial para o processo educativo, coordenar, auxiliar, apoiar, subsidiar, acompanhar não é chefiar.

De todo jeito, equivalente não me parece que sejam, pois, para isso, precisariam ser equivalentes também as atribuições (isto é, as responsabilidades específicas do diretor escolar precisariam ser delegadas também ao coordenador pedagógico), o que, conseguintemente, implicaria na necessidade de revisão dos requisitos para provimento destes cargos.

Ou seja, o requisito para o provimento do cargo de coordenador pedagógico (mínimo de 3 anos de docência e diploma registrado de licenciatura plena em Pedagogia) também teria de ser equivalente ao requisito para diretor escolar: “possuir no mínimo 5 (cinco) anos de docência e curso superior em Pedagogia com licenciatura plena, com habilitação em Administração Escolar; ou curso superior em Pedagogia com formação em Administração Escolar; ou licenciatura plena com pós-graduação lato sensu na área de educação, análoga a área de administração escolar, com carga horária mínima de 360 horas”.

Neste caso, como ficaria a situação dos coordenadores que não possuem requisitos equivalentes aos requisitos para o provimento do cargo de diretor escolar?

Honestamente, nem sei se isso é permitido por lei. A princípio, me agrada muito a idéia de ter pelo menos mais um profissional para responder pelas excessivas atribuições e demandas de diretor escolar.

O que será que a Rede pensa a respeito disso? Não tive a oportunidade de discutir tais questões com os diretores escolares, mas quando você se reuniu com o coletivo de coordenadores pedagógicos para discutir essa questão, as opiniões caminharam nesse sentido?

Imagino que não, porque indiscutivelmente as atribuições dos coordenadores pedagógicos já são por demais excessivas, enquanto, por outro lado, os salários são absurdamente desproporcionais às demandas da função e não correspondem nem à metade das exigências inerentes ao cargo de coordenador pedagógico – já denunciávamos esta e outras deformidades em 2008, quando foi criado o cargo de coordenador pedagógico e aprovou-se a Lei Municipal 5820 (Estatuto dos Profissionais da Educação).

Mais do que estabelecer equivalência de função de chefia, há que se continuar lutando pela melhoria das condições salariais e de trabalho dos coordenadores pedagógicos, bem como de todos os demais profissionais da educação. A melhoria da qualidade da educação passa necessariamente, mas não somente, pela garantia dessas condições.

Por outro lado, a especificidade da função do diretor não elimina a necessidade da gestão democrática, nem coloca um profissional em posição superior, nem outro em posição inferior, apenas com funções específicas que, para o bem do serviço público e da qualidade do trabalho educativo, precisam ser cumpridas. Ou não?

Coerente com o que foi dito aqui até o momento, não se trata de estabelecer quem subordina e quem é subordinado, ou se, em parceria, diretor, coordenador e PAD avassalam os professores, os funcionários, os educandos, quiçá os pais e responsáveis. Se há subordinadores e subordinados, isto é, quem submete e quem é submisso, quem elabora e quem executa, quem manda e quem obedece, não há relação democrática. Ou há? De fato, como construir uma gestão democrática pautada numa relação dessa natureza?

Tendo em vista que o princípio da gestão democrática pressupõe a articulação e a parceria entre todos os segmentos (incluindo educandos, familiares, comunidade, etc), e a considerar o argumento de que a efetivação de boas parcerias entre diretor escolar e coordenador pedagógico dependeria de se decretar a “equivalência da função de chefia”, por conseqüência, teríamos de aplicar tal conceito entre professor e coordenador pedagógico, pois este tem de atuar em parceria com aquele; entre funcionário de apoio administrativo/operacional e equipe de gestão, pois também aí a parceria tem de existir… E assim por diante.

Percebe que essa é uma discussão de outra natureza, que transcende as questões de hierarquia e nada tem que ver com servilismo, isto é, com subordinação?

De qualquer forma, assim como a Lei 5820/2008 obriga o diretor escolar a “prestar à chefia imediata informações, esclarecimentos e justificativas às dificuldades decorrentes da gestão da unidade escolar”, ela também determina, ao coordenador pedagógico: “prestar ao diretor escolar, esclarecimentos sobre eventuais dificuldades decorrentes da coordenação pedagógica da unidade escolar, indicando alternativas de superação para as mesmas”. Ora, pois!

Na certa, é por este motivo que a chefia imediata da SE é responsável pelas avaliações dos estágios probatórios dos diretores escolares e estes, por sua vez, são responsáveis pelas avaliações dos estágios probatórios dos coordenadores pedagógicos e demais funcionários afetos às unidades escolares.

Você discorre que

“ENQUANTO ESSAS QUESTÕES NÃO FOREM ESCLARECIDAS, TEREMOS PROBLEMAS E SERÁ NECESSÁRIA NOVA ATRIBUIÇÃO TODO ANO. PORTANTO, SOMOS OU NÃO SOMOS SUBORDINADOS AOS DIRETORES?? TEMOS CARGOS DE CHEFIAS EQUIVALENTES E SOMOS PARCEIROS DE GESTÃO OU NÃO??? TEREMOSA EQUIPARAÇÃO SALARIAL OU PELO MENOS UM SALÁRIO MAIS JUSTO PELO QUE FAZEMOS OU NÃO??

SABEMOS QUE, PELO MENOS OS DIRETORES QUE ESTÃO NA COMISSÃO SETORIAL DO ESTATUTO DO MAGISTÉRIO NÃO DEFENDEM ISSO, NÃO QUEREM EQUIPARAÇÃO SALARIAL E MUITO MENOS INSUBORDINAÇÃO DOS CPS.”    

Espero que o que apresentei anteriormente tenha ajudado a elucidar estas questões de “cargos de chefia equivalentes”; além do mais, como vimos, a parceria na gestão escolar não depende do estabelecimento da “equivalência de chefia”.

Quanto a desejar condicionar o período de remoção a sua necessidade de esclarecimento, sugiro que reflita melhor, pois não são as escolas e a Rede de Ensino que têm de se adequar às necessidades dos funcionários, mas sim nós é que precisamos aprender a trabalhar com as diferenças, a exercitar a tolerância, e a nos adequar às necessidades das escolas e do processo educativo.

Com as remoções, as escolas que ficam em regiões afastadas costumam ser as que mais sofrem com a mudança das equipes escolares – sabemos o quanto é prejudicial à educação a alta rotatividade de professores e das equipes gestoras, por isso, incomoda-me muito quando um profissional da educação, ainda que na legítima defesa das condições de trabalho e da valorização profissional, coloca suas questões individuais à frente das coletivas,  mesmo que isso venha a comprometer a qualidade da educação.

Obviamente, defendo também outros mecanismos de valorização que incentivem a permanência dos profissionais da educação numa mesma unidade, como por exemplo, a dedicação exclusiva e o tempo de serviço numa mesma unidade.

Tratemos, enfim, sobre o que pensam e o que defendem os diretores que fazem parte da Comissão Setorial de Educação. São três os diretores que constituem a Comissão Setorial de Educação, que atualmente coordena, no âmbito dos trabalhadores em educação de nosso Município, as discussões sobre o Estatuto dos Profissionais da Educação, disposto pela Lei 5820/2008. 

A Comissão se reúne semanalmente, e de forma alternada, às quartas e sextas-feiras, fora do horário de serviço, desde abril do presente ano. Embora você tenha sido eleita em assembléia para compor a Comissão, talvez por não ter efetivamente participado, desconheça o que pensamos e o que defendemos, o que não dá o direito de fazer acusações falsas a nosso respeito, que não correspondem aos nossos atos e aos nossos princípios e que afrontam a nossa honra.  São acusações ingênuas, absurdas e seriam até engraçadas, não estivessem revestidas de caráter difamatório.

Nunca conversei com você, nem com qualquer pessoa, sobre a questão da equiparação de vencimentos entre coordenadores e diretores. No entanto, após ler sua mensagem, pesquisei na legislação para procurar entender como esta questão está regulada. Pois bem, a Constituição Federal, em seu Artigo 37, Inciso XIII, prerroga: “é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”; e, em seu Artigo 30:

§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

II – os requisitos para a investidura;

III – as peculiaridades dos cargos.

A Lei Municipal 1729/68 também aponta os critérios para a fixação dos vencimentos: “Artigo 4º – Os vencimentos dos funcionários públicos obedecerão a padrões ou referencias fixados em e escalonados de acordo com as peculiaridades dos cargos, a natureza das funções, a complexidade das atribuições e as condições especiais exigidas para o provimento”.

Quanto à questão da valorização profissional, revisão de vencimentos, aumentos e reposições de perdas, sinto-me ainda mais ofendido em pensar em responder uma afirmação tão inconseqüente quanto à realizada por você, que certamente não conhece meu histórico de participação, militância pela educação e de compromisso com os interesses coletivos dos trabalhadores. Se não ficou claro, repito: há que se continuar lutando pela melhoria das condições salariais e de trabalho dos coordenadores pedagógicos, bem como de todos os demais profissionais da educação. A melhoria da qualidade da educação passa necessariamente, mas não somente, pela garantia dessas condições. Desde que me conheço por educador, é isso que tenho defendido!

Não se trata puramente de uma questão de interesse individual. Entretanto, veja bem: se os coordenadores pedagógicos passam a receber o equivalente aos vencimentos dos diretores, muito melhor seria para todos nós, inclusive para os diretores que, com base na Constituição Federal e no Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Bernardo do Campo, também teriam seus vencimentos ampliados.  

Sugiro a você a leitura do Parecer CNE/CEB 09/2009, de autoria da relatora Maria Izabel de Azevedo Noronha, que indica que os planos de carreira e de remuneração do Magistério adotem mecanismos de valorização de forma a possibilitar que inclusive os vencimentos das professoras alcancem os vencimentos dos diretores. Como você deve saber, junto com a Resolução CNE/ CEB 02/2009, este é um dos textos-base que estamos utilizando para discutir a questão do Estatuto dos Profissionais da Educação.

Sobre você dizer que não queremos “insubordinação de CP’s”, trata-se não somente de uma afirmação incoerente, irresponsável e desrespeitosa, que parece intencionar criar uma cisão que não existe, e nem tem por que existir. Não compreendo em que se baseia tal afirmação.

 Talvez você tenha se ofendido pelo fato de eu expressar minhas discordâncias com relação à questão da atribuição, mas não vejo absolutamente como isso poderia ser confundido com intenção de subordinar quem quer que seja.

Ou talvez por eu ter sugerido que realizassem reuniões após as 18h00, para que mais coordenadoras pudessem participar das discussões e das decisões, uma vez que nem todas trabalham até as 16h00 (como me foi lembrado na ocasião, algumas trabalham à noite também). Recordo que cheguei a comentar que considerava importante que os segmentos se organizem para discutir as suas questões específicas e afirmei que as convocações para as reuniões em horários de serviço dependem não só de uma organização pessoal de cada funcionário, como também da liberação da SE. Não creio que as demais colegas coordenadoras interpretaram como uma tentativa de subordinar quem quer que seja – até mesmo porque concordaram com a sugestão dada.  

Nunca me referi aos meus colegas de trabalho, todos profissionais da educação, docentes ou não-docentes, como subordinados, porque a educação não é um processo que ocorre somente em sala de atividades, mas no cotidiano do espaço escolar, e inclusive extrapola os muros da escola. Todavia, o exercício das funções é condição inerente ao cargo de cada profissional.

Acredito no diálogo, e na dialética; coerente a isso, não posso deixar de me expressar porque eventualmente a minha opinião desagradará a alguém. Embora confessadamente intransigente na sustentação dos princípios que defendo, gosto de falar, mas também sei ouvir.  Permito-me ser convencido e reconheço as contribuições das idéias contrárias.

Respeito não é baixar a cerviz e ficar calado quando se pensa diferente, é dizer o que pensa sem distorcer e sem difamar as opiniões alheias.

Você diz que o segmento dos coordenadores “só será respeitado, não somente pela administração, mas também pelos diretores e outros, se se respeitar”, como se existisse um generalizado e deliberado desrespeito por parte da administração, dos diretores e de outros segmentos.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a criação do cargo de coordenador pedagógico em nossa Rede de Ensino é uma das poucas conquistas que tivemos na aprovação do atual Estatuto da Educação; não é obra do desejo pessoal do secretário anterior, mas da pressão de profissionais da educação dos mais variados setores, entre os quais diretores e até mesmo várias colegas que estão atuando na Secretaria de Educação. A depender da administração anterior, inclusive, até hoje teríamos escolas com PAPs e escolas com CP’s.

Concordamos que há relações que precisam ser trabalhadas, porém, convido-a a refletir: quando o coletivo de diretores recusou-se a discutir a questão da atribuição sem a presença dos coordenadores, essa atitude não expressa respeito, apoio e reconhecimento? Então, não se deve tomar por gerais os casos pontuais, porque isso é tão ofensivo aos diretores e demais profissionais, como também é ofensivo aos próprios coordenadores.

Enfim, eis o que eu precisava dizer. Espero que continue sempre na luta pelas coisas que ama e acredita (certamente, muitas vezes estaremos juntos na luta), que debata e expresse as suas opiniões, mas pautando-se sempre, entre outras coisas, pelo respeito, que passa pelo cuidado em não distorcer nem atribuir às pessoas, das quais eventualmente venha a discordar, ações que não foram efetuadas por elas.

 Respeitosamente,

Marcelo Gonçalves Siqueira

Diretor Escolar e membro da Comissão Setorial de Educação/SBC

2 comentários em “Carta Aberta a uma Coordenadora Pedagógica

  1. Esclarecer, debater e argumentar é uma tarefa desgastante, mas acho que vc faz isso com maestria. A Educação Escolar (para discriminar da educação familiar) é um campo multi e interdisciplinar. Nunca foi o campo apenas dos pedagogos, embora estes sejam seus atores principais. A se confirmar como campo apenas da ação da pedagogia, que volto a afirmar, é seu agente principal, vamos cair numa espécie de fascismo, coisa que vai para além do corporativismo e dos interesses pessoais. Isto porque a Educação, diferentemente de outros campos, envolve a construção de um ideal de ser humano que queremos para a nossa sociedade. Sabemos que não existe apenas um ideal, mais sim ideais, diversidade, diferenças. É, portanto, um debate político. Tanto quanto um debate do campo da Ética. Um pedagogo não pode achar que dá conta desta empreitada sozinho … Ninguém dá. É necessário sempre um olhar estrangeiro, que consiga apontar para a arrogância de tal idéia. Todos os demais educadores escolares, embora não sejam professores, lançam esse olhar de fora. Ensinar é de competência do professor. Ninguém lhe tira esse mérito. Perguntar como o professor está ensinando, para quê ele está ensinando, é de competência desse olhar estrangeiro. Não esmoreça, Marcelo. Você fala em nome de profissionais que estão sem vez e sem voz. Lutar por um Estatuto dos Profissionais da Educação é uma questão Ética e Democrática.

    1. Marisa,

      Obrigado pelas palavras de apoio! Entre outros, lembrei de um poema de Eduardo Alves da Costa, cujo nome é o mesmo do livro (“No Caminho, com Maiakovski”): “Na primeira noite, eles se aproximam/ e roubam uma flor/ do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem;/ pisam as flores,/ matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa,/ rouba-nos a luz e,/ conhecendo nosso medo,/arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer nada”. Lembrei também do Ferreira Gullar, da época em que ele era um homem ajuizado e poeta consagrado (isso bem antes dele fazer morada no ninho do tucanato), que escreveu “que só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz”. Mas eu não me sinto representante, apesar de muito me orgulhar saber que muito do que tenho defendido representa o que pensa, acredita ou necessita uma boa parcela de pessoas. Agora, é preciso recuperar a voz que nos tem sido arrancada da garganta – apesar de todos os contratempos, acredito que o terreno é propício para muitos avanços e conquistas coletivas!Lutar sempre, esmorecer… de vez em quando acontece!O importante, como bem disse Che, é ter em mente que “as tantas rosas que os poderosos matem, nunca conseguirão deter a primavera”.

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