Nota da Pedra Lascada: O continho a seguir foi escrito em 2007. Encontrei-o perdido entre alguns papéis que estavam a ponto de serem jogados fora. Fiz algumas pequenas alterações, para deixá-lo menos pior. Segue o que foi possível de ser feito – ao som de “Cabeça Dinossauro”, do Titãs. (M.S.)
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Na noite do dia em que plantara baratas supondo que renasceriam, saí para o meio da rua e olhei em direção ao grande prédio verde-água no alto do morro – era a escola em que eu estudaria. As janelas crepitavam em brasa ardente e uma longa e estridente risada ecoou de seu interior.
Meus olhos não entendiam o que estavam vendo e a mente parecia aprisionada em um estupor. Desejei me mover de um salto só para calçada, da calçada para o quintal, do quintal para dentro de casa, de dentro de casa para debaixo do cobertor, que era o lugar mais seguro desde que eu cobrisse bem meus pés para que nenhuma assombração apertasse os meus dedos; mas, antes que eu pudesse levar a cabo o natural instinto de fuga, ela veio do céu como uma rajada de relâmpago, montada em sua vassoura de crina de cavalo e madeira de lei retorcida; deu um rodopio e seus cabelos de lava vulcânica quase tocaram o solo; o ar ao redor ficou mais seco do que a minha garganta e os meus lábios imobilizados.
Parou à minha frente, suspensa; como que montada no próprio diabo, apontou para a escola com o indicador esquerdo curvo e a destra domando as rédeas do louco animal inanimado que cheirava a amoníaco e qualquer outra substância desconhecida. Fitou meus olhos com suas pupilas totalmente esbranquiçadas, como a ler meus pensamentos, a roubar minha alma ou, ainda pior, subtrair-me a paixão pela vida que me sairia mais cara e cujo débito jamais pagaria.
Senti o chão se abrir sob os meus pés e comecei a cair num profundo abismo de gélidas e espessas trevas. À medida que caía, a velocidade se tornava vertiginosa e o ar me golpeava duramente, como se as gotículas de chuva repentinamente principiada fossem minúsculas e afiadíssimas lâminas que retalhavam invisivelmente o meu corpo.
Girando em queda livre, percebi que ela vinha me perseguindo – não a via, mas distinguia claramente em um ponto ainda distante o brilho lânguido de suas mechas vulcânicas que transformavam em vapor as gotas de água e, assim, iam desenhando um luminoso efêmero caminho em espiral.
Em poucos instantes, senti cada vez mais perto o seu hálito selvagem, e não sei como também tinha a certeza de que mais próximo ainda estava o fim da queda.
Foi então que vi um chão de um concreto selado com piche crescendo em minha direção. Meu coração batia como se fosse romper o peito, mas os ossos o oprimiam e essa sensação fazia com que eu sentisse falta de ar.
“A hora!… A hora!” – uma voz longínqua num estranho idioma anunciava o momento derradeiro. O chão estava a segundos de minha face e unhas afiadas eram cravadas em meu ombro, que ardia a cada toque.
Tentei dar um grito, mas não consegui; no súbito instante abri os olhos e senti que Mimi Rousseau, concupiscente, acariciava meus cabelos atrás da nuca, enquanto dizia: “Oh, my little boy, you had a nightmare. It’s time to wake… It’s time to wake”…