Flores e Armas de Fogo

Hoje eu não devo falar de flores nem de armas de fogo
não devo e não posso consentir 
que a cada instante a morte 
abrace um princípio 
e que esse princípio
seja esquecido postumamente
pelos meus camaradas com sonhos imediatistas...

A morte não é a mera morte
- é o puro e ingênuo esquecimento.

De nada vale se lamentar,
é inútil e insensato
Mas é necessário 
pensar e repensar
e mais necessário ainda:
agir - ação consciente
que está sendo deixada de lado...

Não deveria ter dito porque
hoje eu não devo falar de flores nem de armas de fogo.

[M.S.]


Imagem em destaque extraída de Exame.com

Domingo Deserto

DOMINGO
                    comum, sem gritos ressoantes
aguardo o novo dia
que de tão esperado
já envelheceu

não é noite, não é dia
é tarde
   tarde demais para ficar esperando
   tarde demais para estar distante
                            e fingir-se ao lado
                            e fingir-se desperto
                           e fingir-se tão cheio
quando o coração - incerto - está
                                                     DESERTO.



[M.S]

Há de Ser

(Uma menina sumiu
                                 de sua casa 
                       fugiu
- ninguém mais a viu?)

Enquanto espero a chegada em incerta hora
lembro dos que já foram embora
lembro do que eu antes era
vejo o que sou agora
- lembro de você.

Esta é sim uma sucessão de ideias
e imagens desfiguradas
e sons dissonantes
e gostos deturpados
e impressões casuais.

(Ela só tinha 14 anos
quando se entregou
àquela vida
àquela venda
indiscriminada

E aí, então, você chega e acha normal:
"O mundo é isso agora
como antes fora
e há de ser
- você vai ver..."

E eu, ainda impressionado
sinto-me mesmo culpado
pelo que não fiz
justamente por nada fazer
- me calar, não combater...

"Mas ela diz que gosta dessa vida fácil
tão desconexa mas tanto vício
assim não é tão difícil
melhor passar o dia, esquecer
e não tentar entender".

Ela ainda tinha o brilho nos olhos
a alma insípida
o corpo inodoro
quando se deixou levar
numa noite como essa.

Ela também sonhava
ela sabia sonhar!
agora vive um pesadelo
verdadeiro
- subvida... perdida.

"Mas ela diz que tem joias
tem ouro, tem colares
e que não dorme
porque não sonha
e não sonha porque cresceu".

Apesar de tudo, não consigo compreender)

Porque lhe amo
é que vou estar
aqui tão longe
aqui tão perto
da solidão.

Porque não lhe odeio
é que fica complexo
esquecer você
compreender o porquê
quero lhe ver.

[M.S. - Setembro /1998]

Imagem em destaque: Obra de Suzane Valadon, extraída de 3 Minutos de Arte

Visão da Cidade

Vejo a usina...
Não posso transmitir a imagem dela
Com a avenida ao seu lado
Com as casas ao seu redor
Com as fumaças saindo das chaminés
E acima o céu cinzento.

Santo André, daqui, é tão pequena,
Ainda assim não é tudo...
Esses prédios, esse concreto,
Essa dura realidade
(realidade de concreto!)
Ainda inspira alguma poesia...

Pedaços de mata devastada
Ocupados pelas casas, prédios, ruas,
Como uma ferida
Que jamais vai cicatrizar.
Como uma infecção
Intensa, intensa...

[M.S. - 1995/96]

Imagem em destaque: Flickr.com