A Administração Escolar como Prática Pedagógica (1)

Nota da Pedra Lascada (De volta à caverna, revisitando as origens): A “Administração Escolar como Prática Pedagógica”, que será publicada em partes, constitui o meu trabalho de conclusão do curso de Pedagogia/ Habilitação em Administração Escolar, no ano de 2005. Revisitando-o, deparei-mei com algumas afirmações que carecem de corroboração, bem como algumas ideias que, hoje, à luz da experiência na prática administrativa, não se invalidam, mas carecem de mais e melhor aprofundamento. Ainda assim, acredito que a tese central continua atual, isto é: a administração escolar deve existir em função da prática pedagógica, estar comprometida com esta e, assim estando, cumpre  também função formativa no processo educativo. Penso que essencialmente ainda é esta tese que tem movido a minha prática profissional-militante (e nunca a de militante-profissional, queiram não confundir, porque a ordem destes fatores altera absurdamente o produto) . [M.S]

***

INTRODUÇÃO

“… se uma época sonha a seguinte, ao sonhá-la, força-a a despertar…” (KRAMER, 1998, p. 62)

          Atualmente, grande parte das pesquisas educacionais estão voltadas para a discussão da autonomia e da qualidade do ensino, porém, um número significativo destas pesquisas acabam por tratar destes temas desvinculando-os da questão da democratização da escola pública – democratização do acesso, da permanência e da gestão – e sem preocupar-se com a natureza dessa autonomia e dessa qualidade. Outra boa parte dos trabalhos nestas áreas mais se preocupam em propagandear as supostas “benesses” da descentralização e das políticas educacionais  neoliberais do que em desvelar  a natureza  – e conseqüências  – dessas políticas, comprometendo-se com a manutenção da sociedade de classes e, por conseguinte, com a degradação da vida da grande maioria da população.

            Conforme Vitor Paro,

          Parece ter se generalizado nos meios políticos e administrativos do país, com amplo apoio da mídia, o discurso segundo o qual, em termos de atendimento à demanda por ensino fundamental, já chegamos ao atendimento em termos quantitativo, posto que praticamente todos os jovens e crianças têm acesso a esse nível de ensino. O que faltaria seria a permanência desses mesmos alunos na escola e a melhoria da qualidade do ensino oferecido.

          Trata-se, na verdade, de grande farsa educacional que consiste em separar conceitos como qualidade e quantidade, que são dialeticamente interdependentes, para mistificar a realidade de nosso pseudo-ensino[1]. (PARO, 2003, p.82)

          Embora o discurso oficial, baseado em dados estatísticos, aponte que  a democratização do acesso e da permanência à Educação Básica é problema do passado e que se argumente que as legislações atuais já prevêem a democratização da gestão da escola pública, é preciso ressaltar que

            O abandono dos discursos sobre democratização da educação e, conseqüentemente, a lógica produtivo-eficientista que foram assumindo os discursos sobre qualidade neste campo não se reduzem a um simples mecanismo de substituição simbólico-discursivo. O que está em jogo não é uma simples disputa terminológica, ainda que ela exista como um dos cenários onde se definem os conflitos. O duplo processo de transposição que subjaz a esta nova retórica constitui o indicador de um processo cuja explicação se deve buscar nas práticas políticas e sociais concretas. E é a necessidade de se impor uma lógica de subordinação mercantil na educação pública que explica semelhante armadilha discursiva. (GENTILLI, 2001, p. 159)

            Face a isso, e considerando, ainda, que o discurso neoliberal – o discurso da nova direita – “pretende apagar do imaginário social a idéia da educação pública como direito social e conquista democrática[2], parcialmente obtida após anos de lutas sob o slogan da igualdade de oportunidades e  historicamente vinculada com o processo social da construção da cidadania”(SUÁREZ, 2001, p. 259,260), este trabalho, resguardados os limites deste que subscreve, propõe o restabelecimento do discurso e da prática da gestão democrática dentro da escola pública. E é pensando numa atuação concreta que aqui se defendem os princípios e as diretrizes de uma Administração Escolar democraticamente participativa.

  

DELIMITANDO OS CONCEITOS

 “Chega mais perto e contempla as palavras./ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra” (Carlos Drummond de Andrade)

            Kramer (1998, p. 75) afirma que “descontextualizada, desenraizada, desistoricizada, a significação se torna um ente ideal”. Recorrendo a Bakhtin, descobrimos que “a significação é absorvida pelo tema, e dilacerada por suas contradições vivas, para retornar enfim sob a forma de uma nova significação, com uma estabilidade e uma identidade igualmente provisórias” (Bakhtin, 1988a, p. 136, APUD Kramer, 1998, p. 75). Estas considerações nos remetem à impossibilidade de neutralidade dos conceitos que utilizamos: todo conceito traz consigo não apenas sua bagagem cultural em sua inserção social, como também imprime a marca de sua natureza ideológica. Tendo isso em vista, faz-se necessário, antes de qualquer outra coisa, e ainda que de maneira breve, situar historicamente e explicitar o que aqui se entende por educação, escola, participação, democracia, administração escolar. Para tanto, é fundamental observar que

          Estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico do método dialético. Numa pesquisa, abranger o processo de desenvolvimento de uma determinada coisa, em todas as suas faces e mudanças – do nascimento à morte – significa, fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência (…)”. (Vygotsky, 1998, pp. 85,86)

         Obviamente, dada a especificidade deste trabalho, não será possível toda essa profundeza analítica e rigorosidade metódica necessárias e características de uma concepção embasada no materialismo histórico e dialético, o qual julgo o mais adequado como princípio, metodologia e concepção de mundo. Tentarei, no entanto, ser radical, no sentido marxista, e ao menos tanger as raízes, as essências, das temáticas apresentadas neste texto.

         Gadotti (1993), assim como Paro (2003), argumenta que a escola, tal qual a conhecemos, é um produto da modernidade, surgindo no contexto de revolução industrial, de afirmação da burguesia enquanto classe social hegemônica e de necessidade de treinamento de mão-de-obra para o atendimento das demandas advindas do emprego de novas tecnologias, das novas relações sociais de produção da existência material e, enfim, do modo de produção capitalista. Segundo Paro,

         Na sociedade moderna (…), a complexidade e o montante do saber produzido historicamente, bem como a velocidade e o dinamismo com que esse saber constantemente se renova, são de tal magnitude, que já não se torna mais sequer imaginável que uma mesma pessoa, ou mesmo uma inteira comunidade, possa detê-lo em sua totalidade. Com isso, tornam-se também insuficientes os mecanismos informais de transmissão e apropriação desse saber, havendo a necessidade de instituições formalmente destacadas para essa tarefa. (PARO, 2003, p. 105)

         Isso não quer dizer que a escola inexistia anteriormente, ou que não atendia às demandas das classes sociais existentes e, especialmente, às necessidades das classes dominantes. Excetuando a educação primitiva, que “era essencialmente prática” (GADOTTI, 1993, p. 21), “confiada a toda a comunidade” e “única, igual para todos” (ibid,  p. 23), onde a escola era a própria comunidade, a escola, historicamente, está vinculada à manutenção de privilégios e de dominação político-econômica das classes sociais dominantes em cada época:

         A escola que temos hoje nasceu com a hierarquização e a desigualdade econômica gerada por aqueles que se apoderaram do excedente produzido pela comunidade primitiva. A história da educação, desde então, constituiu-se num prolongamento da história das desigualdades econômicas; (…) com a divisão social do trabalho aparece também a desigualdade das educações: uma para os exploradores e outra para os explorados, uma para os ricos e outra para os pobres. (GADOTTI, 1993, p. 23)

[Continua…]

[1] Infelizmente, não temos como aprofundar esta questão no momento, portanto, recomenda-se a leitura integral do texto em referência.

[2] Grifo do autor.

Referências:

GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. – São Paulo: Ática, 1993. (Série educação).

GENTILLI, Pablo A. O Discurso da “Qualidade” Como Nova Retórica Conservadora no Campo Educacional. In_GENTILLI, Pablo A.; DA SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Neoliberalismo, Qualidade Total e Educação: visões críticas. – 10 ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. pp 111 – 177

KRAMER, Sônia. Por Entre as Pedras: arma e sonho na escola. – 3 ed. – São Paulo: Ática, 1998.

PARO, Vitor Henrique. Administração Escolar: introdução crítica. – 12 ed. – São Paulo: Cortez, 2003.

SUÁREZ, Daniel. O Princípio Educativo da Nova Direita – Neoliberalismo, Ética, e Escola Pública. In_ APPLE, Michael W [et al.]. Pedagogia da Exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. – 9 ed. – Trad.: Vânia Paganini Thurler e Tomaz Tadeu da Silva. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. pp.253-270

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Org.: Michael Cole… [et al.]; tradução de José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. – 6 ed. – São Paulo: Martisn Fontes, 1998. – (Psicologia e Pedagogia).

 

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