Do sítio da CSP-Conlutas
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A mesa de debate sobre encarceramento em massa e criminalização do povo negro, realizada no último sábado (22), contou com um rico debate, com reflexões acerca do que representa ser negro no Brasil, fazendo referência à prisão de Rafael Braga, no Rio de Janeiro. A atividade foi promovida pelo Quilombo Raça e Classe, movimento cultural O3 e o Luta Popular, que escolheram a periferia da zona sul, o bairro de Capão Redondo, para esse importante bate-papo.
Os palestrantes Avanilson Araújo, do Luta Popular, Hertz Dias, do Movimento O3, Shirley Raposo do Quilombo Raça e Classe, e a mediadora de Claudicéa Durans, embasaram suas falas com estatísticas alarmantes.
Adriana Braga, mãe de Rafael, que estaria presente no evento para divulgar a campanha pela liberdade do filho, não pode participar, em razão de uma série de problemas com logística e a dificuldade em encontrar quem ficasse com os outros cinco filhos.
Um dos integrantes do Comitê Pela Liberdade de Rafael Braga, Ilídio José Wenceslau Filho, trouxe um vídeo com uma saudação de Adriana agradecendo a atividade e a campanha em torno da soltura de seu filho.
Rafael, de 25 anos, foi o único preso nas jornadas de junho de 2013. Foi condenado no dia 20 de abril de 2017, a 11 anos de prisão, por tráfico e associação criminosa, mesmo alegando inocência. Em 2013, foi acusado de portar material explosivo, quando levava apenas dois frascos lacrados de produto de limpeza.
“Adriana está sofrendo assim como milhares de mulheres que, quando não são encarceradas, são as que têm seus filhos ou companheiros encarcerados e são elas que fazem visita aos presídios, com revistas vexatórias, entre outros constrangimentos”, salientou Claudicéa Durans ao abrir a mesa de debate.
Para compreender o aspecto da criminalização no país, o integrante do Luta Popular usou o caso de Rafael para pontuar a diferença no tratamento de sua prisão em comparação com alguns políticos condenados no país por crimes de corrupção.
“Entre Lula e Rafael Braga há uma diferença muito importante. Rafael Braga, para nós, é um preso político, no entanto, Lula é um político que ainda não foi preso. São diferenças importantes para entendermos a localização de cada um”, disse Avana, completando “como você explica que um ex-operário teve penhorado de sua de previdência privada 9 milhões de reais. Se é um preso político, é em condições bem mais favoráveis que a de Rafael Braga”, salientou.
Sobre a suposta ameaça à democracia levantada por quem defende Lula, Avana apresentou o levantamento que revela que, entre 2005 e 2015, morreram no Brasil 348 mil jovens de 18 a 29 anos. Desses, 70% eram negros. “Como é que a democracia não estava ameaçada nesse período?”, questionou.
Segundo o dossiê sobre a criminalização da pobreza elaborado pelo Luta Popular e apresentado por Avana, foram nos governos de Lula e Dilma que se intensificaram os processos da aprovação leis que são aplicadas contra os trabalhadores. “Em 2007, um decreto de Lula criou a Força Nacional de Segurança, que criminalizou greves de operários em Jirau. Em 2013, no governo de Dilma, foi criada a lei da Organização Criminosa, em que Rafael Braga foi enquadrado”, explicou.
Encarceramento em massa
O Brasil é o terceiro país em número de presos no mundo. Em 2014, quando foi feito o último censo penitenciário no Brasil, 62% da população carcerária é de negros e pardos.
Avana reforçou ainda a criminalização contra os movimentos organizados, que se mobilizam contra a retirada de direitos, e que agora podem ser enquadrados na lei antiterror. “Esse processo só acontece porque há uma resistência profunda, um levante contra esse tipo de situação, há uma reação dos de baixo que só tem uma forma de ser contida na luta de classe, uma delas é através de leis como essa”, disse.
A privatização do sistema carcerário foi abordada por Hertz como outra faceta de aprofundamento da crise carcerária no país. “Existe uma experiência sobre privatização apresentada por uma deputada em Minas Gerais. O contrato da empresa que ganhou a licitação tem uma cláusula que diz o seguinte, que tem que ter um percentual de ocupação das celas, e o estado teria que cumprir isso. Isso significa então, vamos supor, que se em Minas Gerais diminuísse o numero de crimes, o governo ia ter que encontrar uma forma de prender as pessoas para cumprir com a cláusula que está colocada na licitação. Os presos se transformam em mercadoria”, denunciou.
O militante fez todo um contexto histórico desde a escravidão dos negros até a chamada escravidão moderna, em que ainda são submetidos.
Mulheres encarceradas
A militante do Quilombo Raça e Classe, Shirley, trouxe dados sobre as mulheres encarceradas no país. Entre eles, o que indica aumento de 600% de prisões de mulheres. Fazendo o recorte de raça e gênero, ela salientou que desse número, 68% são de mulheres negras. “Esses dados remetem à falta de políticas públicas e reparação, que não tivemos em governo algum”, argumentou.
Shirley reforçou a importância de espaços como aqueles para debater esses temas. “É necessário que continuemos atuando e nos mobilizando contra o encarceramento da população negra e eu acho que não é só para causar comoção, eu acho que tem que ser até a liberdade de Rafael Braga, até a liberdade dos nossos que estão presos”, finalizou.
O microfone foi aberto para que todos pudessem participar, quando complementaram com exemplos pessoais a luta contra o racismo existente no Brasil.
Pela liberdade de Rafael Braga
Como parte da campanha pela liberdade de Rafael Braga, que também é de ajuda financeira para sua família, foi repassado uma “sacola” para que as pessoas pudessem contribuir com sua família.
A frase de Ângela Davis, ativista dos Panteras Negras, que lutou e segue se mobilizando contra o racismo institucional e contra o encarceramento em massa, serviu para um cartaz de divulgação do evento: “O sistema carcerário torna natural a violência decretada contra as minorias raciais ao institucionalizar uma lógica viciosa: os negros estão presos porque são criminosos; eles são criminosos porque são negros, e, se eles estão presos, é porque merecem”.
Rafael é um preso político do governo Dilma/Cabral, condenado no governo Temer/Pezão.
Show
Após o debate, o show ficou por conta da apresentação dos grupos de hip-hop MC’s Psico & Quebrada, Welligton ZN, Americano Fiduhenrique, MC FANI, Hertz Dias – Gíria Vermelha, Mano Yo-P, SJ, que esquentaram a noite e animaram a plateia, com letras poderosas que denunciavam o capitalismo, o racismo, a criminalização das lutas e o encarceramento em massa.