Os sofrimentos do jovem Wilhelm

Por Vinicius Canhoto

Caro Werther, inquieta-me o coração receber tuas aflições por meio das cartas que chegam às minhas mãos, cada vez mais trêmulas, a cada chegada do carteiro. Sofro por ti, por mim, por nós ao ler nas tuas palavras que a cada dia morres mais um pouco. No entanto, por mais que me fales em tirar-te a própria vida, é justamente a vida que te tiras dela.

Meu amigo, embora os livros de História digam que a Idade dos Metais ficou na pré-História, te digo que ainda estamos na pré-História e que a Idade dos Metais ainda segue. Vivemos a Idade do Ouro de Tolo, ou melhor, a Idade do Ouro dos Tolos e, por isso, artistas em nosso convívio perecem. Nesta Idade, na nossa idade, os sonhos logo se vão.

Vejo-te sonhando, despertando, nascendo, morrendo e ressuscitando, mas não sei até quando.

Amo-te mais por saber que estás amando, que aprendeste a amar, que descobriste o maior drama dos nossos dias: o amor; e que descobriste, também, o mal do nosso século: a solidão.

Teus sofrimentos, tuas angústias, teus anseios, teus desejos, teus ideais, tua Carlota, provam-me tua face humana entre a desumanidade da humanidade.

Perdoe-me a liberdade de dizer “tua” Carlota ainda que esta não te pertença. Todavia, pertencerá alguém a alguém? Estou pendente a crer, como tu, que ninguém é de ninguém. E, de vez em quando, encontro-me dizendo que pertenço tão pouco a mim mesmo.

Sinto que estás a meio passo: a meio passo do começo ou a meio passo do fim. Mas não é disso que se trata o amor? E a vida? Este espetáculo hediondo em que há circo, mas falta pão. Sinto que tu queres tirar a vida que a vida tiras de ti.

Como teu amigo, meu amigo, não me cabe julgar tuas atitudes, apenas buscar compreender tuas razões (embora cada vez mais não encontre razões no amor) para quando estiveres caminhando não caminhes sozinho, para quando estiveres caminhando não caminhes em silêncio; porque teu caminho é tua solidão; porque teu caminho é tua salvação; porque teu caminho é o que te manténs vivo; e apenas cabe-me estar ao teu lado.

Em Weimar o final de tarde de outono deve ser tão belo e triste quanto o daqui.  

***

Nota da Pedra Lascada (escrita na entrada da caverna, sob a luz da lua): Assaltamos este belo e trágico conto do blog do escritor Vinicius Canhoto. Quem quiser conferir diretamente, acesse http://infernoriscadoagiz.wordpress.com, que encontrará mais contos, tão bons quanto este.

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