E-mails que não (sei se) merecem atenção…

Mas que me deixam num estado nauseabundo daqueles!

Todos os dias recebemos uma quantidade de e-mails indesejados, que vão desde propagandas enganosas, spams, correntes que prometem a cura espiritual, a felicidade infinita ou notebooks de graça (bastando em ambos os casos reencaminhar os benditos para o maior número de contatos possíveis  e impossíveis), pragas e voodoos – igualmente bastando ignorar as correntes, deletar os malditos, não reencaminhar para os contatos – nesse caso, seus dedos vão apodrecer, os olhos vão murchar, você não conseguirá mais fazer “coisinhas”  pelo resto da vida, ou pelo menos até quando, anos depois, ou no próximo mês,  ou na próxima semana (o que é bem mais provável) você tiver a oportunidade de se redimir ao receber novamente aquela mesma corrente e desta vez fazer a coisa certa: reencaminhá-la para o maior número possível e impossível de seus contatos e dos contatos dos seus contatos.

Isso sem contar aqueles carregados de vírus, que tentam com toda sorte de argumentos te seduzir a abrir o link, que te conduzirá ao paraiso (quer dizer, vai conduzir seu pc ao paraíso e os seus dados diretamente para os HDs de gente de conduta duvidosa!): são e-mails que te prometem as fotos daquela balada que diz que você curtiu à beça, mas que você tem uma leve impressão que não era você, porque não lembra de curtir uma domingueira há uns trezentos anos, no mínimo. Ou então aqueles que te prometem o link premiado: “clique aqui e realize o sonho da casa própria”, “você foi escolhido como o profissional do ano” (e nesse caso você acha estranho ser escolhido como profissional do ano, porque não sabe o que é registro em carteira desde o Plano Collor), ou “seu nome foi sorteado para concorrer a um prêmio maravilhoso pela Revista ‘Readers Digest Selection’ (se é que se escreve assim, mas você sabe bem o que é isso, porque já deve ter recebido um e-mail ordinariozinho desse tipo): clique no desenho da chave e receba seu carro em casa”!

Enfim, são uma infinidade de correntes, propagandas e protestos de todo tipo que ninguém mais tem certeza se aquela pessoa desaparecida na foto desapareceu mesmo ou armaram uma pegadinha pra ela. E olha que já recebi e-mail sobre pessoas realmente desaparecidas! Mas desconfio que ainda receberei um e-mail com a minha foto, com um apelo do tipo: “Ajude a procurar Marcelo. Pai de cinco filhos, esposo dedicado, teve uma crise de depressão depois de assistir Brasil Urgente com o Datena e o Jornal da Band com o Boris Casoy. Seja solidário e repasse este e-mail aos seus contatos. Se você já viu essa pessoa, ou tem notícias de seu paradeiro, disque “0300XX60706070denovo” (valor de uma ligação de celular para Curitiba + impostos)”.

Depois de tantas rabujentices minhas, sinto uma nuvenzinha cinzenta pairar sobre sua cabeça, como que perguntando: “Se é tanto sofrimento assim, porque simplesmente não deleta sem abrir, ou bloqueia esses tipos de e-mails?”. E eu respondo: Porque simplesmente acho interessante conhecer o que as pessoas pensam – mesmo que eventualmente eu possa discordar de uma ou outra opinião. Afinal, ninguém aprenderia que o doce é doce se comesse somente coisas açucaradas, nem o que é salgado se comesse somente… ah, você entendeu! Aprendemos mesmo é com as diferenças, apesar de que a gente não precisa passar por certas experiências para saber se são boas ou ruins… De qualquer forma, acho que uma das maravilhas da internet é as pessoas poderem comunicar umas às outras o que pensam, sentem, desejam, acreditam… Além disso, eu também tenho minha parte nessa história toda, porque o que eu encaminho de mensagens que muita gente não quer nem da missa saber o terço, olha… não está escrito no gibi!

Não são as correntes de bençãos ou de maldições (que no fim das contas são as mesmas coisas, porque se você não reencaminhá-las vai direto pro inferno, ou lhe nascerão brotoejas nas nádegas), ou de pessoas supostamente desaparecidas, ou de prêmios inimagináveis etc e tal que me estremilicam. Não, essas eu até curto – porque se alguém manda um anjinho te desejando um bom dia, ou te fazendo uma oração, ou te prometendo o reino da felicidade a uns cliques no Power Point, que bom! Mal não fará desejar o bem para outras pessoas, mesmo quando não as conhecemos. Mensagens deste tipo podem não fazer muito a minha cabeça, nem levantar meu astral, mas também com toda certeza não me colocam pra baixo.

O que me deixa trelelê mesmo, de verdade, a ponto de às vezes (somente às vezes, e por um pequeno milésimo de tempo) duvidar da humanidade do ser humano, são aquelas mensagens que jogam inteiramente no desgraçado a culpa por suas desgraças (a palavra é forte, mas não tem outra mais precisa, porém, se quiser amenizar pode substituir por: “jogam inteiramente nos miseráveis a culpa por suas misérias”, ou melhor, por nossas misérias); mensagens com queixas até justas, sabe, mas carregadas de preconceitos de toda ordem e desordem, principalmente preconceitos de classe, raça e gênero.

Hoje mesmo recebi uma delas, que aqui vai transcrita não como manifestação de apoio, mas como expressão de indignação com tamanha falta de sensibilidade, com tamanha carência de reflexão, com tamanha desumanização, com tamanho desrespeito ao nosso lindo ofício de mestres, que é o exercício do magistério, e sob o sarcástico título “Mensagem criativa de uma escola”. Veja:  “Esta é a mensagem que os professores de uma escola da Califórnia decidiram gravar na secretária eletrônica: A escola cobra responsabilidade dos alunos e dos pais perante as faltas e trabalhos de casa e, por isso, ela e os professores estão sendo processados por pais que querem que seus filhos sejam aprovados mesmo com muitas faltas e sem fazer os trabalhos escolares. Eis a mensagem gravada: – Olá! Para que possamos ajudá-lo, por favor, ouça todas as opções: – Para mentir sobre o motivo das faltas do seu filho – tecle 1. – Para dar uma desculpa por seu filho não ter feito o trabalho de casa – tecle 2. – Para se queixar sobre o que nós fazemos – tecle 3. -Para insultar os professores – tecle 4. – Para saber por que não foi informado sobre o que consta no boletim do seu filho ou em diversos documentos que lhe enviamos – tecle 5. – Se quiser que criemos o seu filho – tecle 6. – Se quiser agarrar, esbofetear ou agredir alguém – tecle 7. – Para pedir um professor novo pela terceira vez este ano – tecle 8. – Para se queixar do transporte escolar – tecle 9. – Para se queixar da alimentação fornecida pela escola – tecle 0. – Mas se você já compreendeu que este é um mundo real e que seu filho deve ser responsabilizado pelo próprio comportamento, pelo seu trabalho na aula, pelas tarefas de casa, e que a culpa da falta de esforço do seu filho não é culpa do professor, desligue e tenha um bom dia!”

Me abstenho desta vez, e somente desta vez, de análises sociológicas, filosóficas ou mesmo educacionais (porque obviamente este texto diz mais do que está escrito: diz o que pensa quem o escreveu, ou o apóia, a respeito da função social da escola, do que é ser professor, do que é educação, do que é ser gente… … … … …). Basta, por ora, o meu estômago revirando, nauseabundo, porém só um pouco nauseabundo, porque tenho certeza de que este texto não representa o pensamento predominante dos mestres do ofício da arte de ensinar, para usar da expressão empregada pelo Miguel Arroyo.

Na verdade, sinto que este texto representa feridas que não cicatrizaram, não cicatrizam e continuam doendo intensamente, porque não as compreendemos, e não as compreendendo encontramos no outro o alienígena, isto é, o “outro estranhado”, não identificado como complementar, mas como oposto, malígno, canceroso, o culpado pelas mazelas que sofremos, quando não se trata nem de culpa, mas de responsabilidade, responsabilidade que, se formos bem sinceros conosco, mesmo no íntimo de nossos pensamentos mais secretos (aqueles que evitamos dizer a nós mesmos), acabaremos por concluir que também nós temos uma parte que nos cabe nesta cova rasa, ou profunda, de um latifúndio que recusamos reconhecer como sendo direito do outro também, pra lembrar o Chico…  

Por fim, apenas sugeriria uma outra tecla, como opção para a “criativa” secretária eletrônica desta suposta escola: “Se quiser mandar esta meeeeeeeeerrrrrrrrrrda de escola para o espaço, de onde nunca deveria ter saído -tecle estrela”. [M.S]

P.s: Califórnia é governada por quem mesmo? Ah, sim: pelo exterminador do futuro! Tá explicado!!!

2 comentários em “E-mails que não (sei se) merecem atenção…

  1. A negligência paterna e materna toma conta da sociedade… Na Califórnia ou no Brasil. Mesmo com a disparidade social igualmente atribuída aos países de primeiro mundo ou não.
    A grande maioria dos pais de hoje em dia se comporta assim… Todos devem ser responsáveis por seus filhos, menos eles…
    O professor ou tão pouco,os pais não devem se eximir de culpa, pois o papel da escola é um papel de cunho social,Formador de opinião.
    A falta de tempo dos pais, a desvalorização dos professores juntamente com o abismo social, em parte terminam por putreficar a aliança que jamais deveria ser corrompida, tendo a interação entre pais,alunos, e professores.
    Só existirá êxito no Brasil,Califórnia ou no Mundo quando a Educação e formação for colocada em primeiro lugar,e a valorização destes profissionais resultarem em um hábito saudável,e não a política pregada atualmente que reuni gratificações ocasionais em troca do voto popular.Fora bolsas isso ou aquilo a criança vai para escola para Aprender.
    O resultado já está aí, em nossas salas de aula e nas ruas…Isto é desvalorizar a educação.
    Aos pais deixo o seguinte recado, Criança necessita brincar, ser amado, ter infância, atenção, carinho, porém toda criança precisa essencialmente de Limites.
    “Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos.” (Pitágoras)
    Aos professores é mais simples do que o imaginário idealista, basta não se esquecer de seu juramento e missão.

    1. Colega,

      eu não arriscaria a afirmar que a maioria dos pais se comporta assim. Eu não sou pai, ainda, então não posso falar por mim, mas conheço tantas professoras e professores que são mães e pais e muitas vezes também não conseguem acompanhar sequer as reuniões bimestrais dos filhos, e não porque assim querem, e muito menos porque não se importam com seus filhos, ou ainda porque delegam à escola a obrigação de educá-los – nada disso, pelo contrário: pela falta de tempo, pela indisponibilidade de comparecimento devido ao trabalho (olha que paradoxo!). Na sociedade capitalista, não é apenas a educação que não é valorizada, mas principalmente o ser humano, transformado em instrumento do lucro ou da preparação para o lucro. Fico com Paulo Freire: se a educação sozinha não muda o mundo, tampouco o mundo muda sem a educação.

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