Não é sem razão que Frigotto, valendo-se das teses de Gorz, compreende como sinônimos classe burguesa, classe capitalista e classe dominante e inclui nelas “não apenas os donos (individuais ou associados) dos meios e instrumentos de produção, mas também todos aqueles que, embora não-proprietários, constituem o funcionário coletivo do capital, ou seja, o conjunto daqueles que gerem, representam e servem ao capital e suas exigências”. (FRIGOTTO, 2001, p. 32)
Assim como a escola, a Administração Escolar, no capitalismo, tende a assimilar as características da administração gerencial, ou seja, da administração de empresas, adotando seus princípios e métodos e reproduzindo, por conseguinte, as relações sociais – que, nunca é demais lembrar, são sempre relações de poder. Aliás, num contexto conservador,
A escola e o local de trabalho organizam-se de modo bastante análogo. Tanto um quanto o outro tende a ser grande, burocrático, impessoal, hierarquizado e rotinizado. Ambos tendem a motivar o desempenho mediante recompensas externas, como notas e salários, ao invés de confiar no valor próprio do empreendimento. Escola e local de trabalho são dominados pelos especialistas e pela autoridade formal; em ambos, existem horários que determinam o ritmo do trabalho e regulamentos que determinam sua natureza. (CARNOY & LEVIN, 1993, p. 19)
No entanto, é preciso ter em conta que
À diferença das empresas em geral, que visam à produção de um bem material tangível ou de um serviço determinado, imediatamente identificáveis e facilmente avaliáveis, a escola visa a fins de difícil identificação e mensuração, quer devido ao seu caráter, de certa forma, abstrato, quer em razão do envolvimento inevitável de juízos de valor em sua avaliação. Outra especificidade da escola diz respeito ao seu caráter de instituição prestadora de serviços, que lida diretamente com o elemento humano. (PARO, 2003, p. 126)
Apesar de os intelectuais da classe dominante (os conscientes e os não-conscientes de sua situação) propugnarem pela aplicação – em maior ou menor grau adaptada – da administração capitalista à Administração Escolar, de o senso-comum defender a excelência e supremacia da administração privada sobre a administração pública e, embora consideremos que mesmo uma Administração Escolar democrática não possa prescindir de algumas contribuições que os estudos sistemáticos na área de Administração de Empresas tem fornecido ao longo de seu processo histórico, devemos demarcar explicitamente os limites destas contribuições, para que a escola, de natureza essencialmente pública, não seja tratada como empresa e, tal como a empresa, não sofra – ou para que deixe de sofrer – do autoritarismo aí reinante, com risco de cumprir tão somente um papel de reprodução da ideologia e das relações sociais dominantes.
A competência e os conhecimentos técnicos são fundamentais para qualquer Administração, muito mais ainda para uma Administração comprometida com a classe trabalhadora, uma vez que, por comprometida com a classe a qual se vincula, responsabiliza-se efetivamente pelos resultados a serem alcançados.
Sem dúvida, os conhecimentos de natureza técnica podem facilitar a organização eficiente e o uso o mais racional e adequado possível objetivando os fins mais amplos da educação:
… o problema da apreensão de conhecimentos, hábitos e habilidades que se possam chamar de “administrativos” se coloca como um desafio tanto mais importante a ser enfrentado pela escola, quanto mais aberta e participativa for sua administração, já que, com isso, aumenta o número e a variedade de pessoas envolvidas diretamente no processo. A competência técnica não deve confundir-se, entretanto, com tecnicismo, que é a hipertrofia do aspecto técnico em detrimento dos demais, ou seja, a utilização da técnica pela técnica, sem consideração para com os fins a que ela exatamente deve servir. (PARO, 2003, p. 159)
Todavia, a Administração Escolar não pode ser tratada como uma questão meramente técnica, como querem fazer crer os teóricos da administração empresarial e do gerenciamento. A escolha das técnicas e dos procedimentos, por si só, já são decisões políticas que, no nível de uma Administração Escolar participativa e democrática, precisam ser compartilhadas coletivamente, sob pena de se manter a dicotomização entre concepção e execução, entre teoria e prática, entre aqueles que “pensam” as políticas públicas educacionais e aqueles que as executam.
Chegamos aqui ao entendimento de Administração Escolar participativa e democrática. Ao dizer “participativa” e “democrática” não estou, de modo algum, caindo em redundâncias semânticas; muito pelo contrário, a experiência escolar por mim vivenciada, seja como aluno, seja como profissional da educação, me fez compreender que, infelizmente, existem formas não-democráticas de participação, ou seja, de participação apenas no nível da formalidade e da mera presença física, sem a real intervenção dos sujeitos que nela se inserem.
Ao meu ver, em concordância com Paro, “numa administração democrática, todos os amplos setores envolvidos no processo precisam ser considerados”. (PARO, 2003, 162); isso implica responsabilidades compartilhadas e poder de decisão coletivo. Numa perspectiva de Administração Escolar democrática, o chamado “trio de gestão” – e mais especificamente o Diretor Escolar que, como responsável direto pela Administração Escolar junto aos órgãos superiores, vive uma dupla tensão entre as exigências destes órgãos e as demandas da comunidade, dos professores e funcionários da escola (Cf. PARO, 2003, p. 133) – precisa atuar de modo a tornar dinâmica e concreta a participação dos setores diretamente envolvidos na educação escolar, para que possam decidir sobre os rumos dos projetos de interesse coletivo da classe trabalhadora – interesses estes nem sempre expressos nos desejos e necessidades imediatas dos envolvidos na comunidade escolar (esta própria uma categoria marcadamente heterogênea em todos os sentidos – cultural, geográfica, ideológica, social, econômicamente etc.).
Neste sentido, uma Administração Escolar comprometida com a superação do sistema de exploração de uma classe sobre outra pode contribuir para a tomada de consciência dos trabalhadores, para que a classe trabalhadora deixe de ser classe em si, e passe a ser classe para si. (Cf. MARX & ENGELS, 2000a). Assim, a Administração Escolar adquire um caráter pedagógico estrutural. Além disso,
A administração escolar configura-se, antes do mais, em ato político, na medida em que requer sempre uma tomada de posição. A ação educativa e, conseqüentemente, apolítica educacional em qualquer das suas feições não possuem apenas uma dimensão política, mas é sempre política, já que não há conhecimento, técnica e tecnologias neutras, pois todas são expressão de formas conscientes ou não de engajamento. (DOURADO, 2003, p. 82).
Cumpre reafirmar, ainda: mesmo que oficialmente há pessoas que respondam pela Administração Escolar, esta tem, necessariamente, de ser coletiva. Isso porque
A democracia como princípio articula-se ao da igualdade ao proporcionar, a todos os integrantes do processo participativo, a condição de sujeitos expressa no seu reconhecimento como interlocutor válido. Como método, deve garantir a cada um dos participantes igual poder de intervenção e decisão, criando mecanismos que facilitem a consolidação de iguais possibilidades de opção e ação diante dos processos decisórios. (ADRIÃO & CAMARGO, 2002, p. 77)
Discutirei mais adiante algumas possibilidades para a efetivação desta participação coletiva.
Paro (2003) defende que a escola já terá cumprido seu objetivo máximo e, em grande medida revolucionário, se obtiver êxito no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, levando os alunos a assimilarem e compreenderem os conhecimentos produzidos e acumulados historicamente; para este autor, o domínio dos conhecimentos construídos coletivamente é um importante instrumento para a emancipação humana e, consequentemente, para a superação do modo de produção capitalista. Refletindo um pouco mais profundamente, vale a pena voltar-nos a Kramer, que alerta:
Temos dito que a função da escola democrática é socializar os conhecimentos produzidos na história, pelos homens. Temos definido tais conhecimentos como científicos, sistematizando-os em textos e manuais didáticos. Mas não estará, assim, a educação sendo reduzida a uma parte do saber humano e social (o dito científico), deixando uma lacuna ao desconsiderar a cultura e a crítica da cultura? (KRAMER, 1998, p. 26)
Diante dessas considerações, torna-se fundamental que a Administração Escolar, enquanto esforço coletivo para a consecução dos fins educacionais, propicie meios para que não apenas a rotina burocrática aconteça de modo a favorecer a prática pedagógica, como também favoreça condições para a reflexão dessa prática, pois a escolha dos conteúdos não pode se dar ao acaso, mas sim diante de uma perspectiva de formação global e de superação das contradições inerentes à sociedade de classe. Deste modo, cai por terra a idéia da Administração como mera aplicação de técnicas e métodos mais ou menos padronizados, uma vez que, comprometida com a prática pedagógica, e existindo em função desta, a Administração Escolar, enquanto movimento coletivo, cumpre função formativa, ou seja, sendo ação educativa intencional reveste-se, ela própria, de caráter pedagógico. Logo, rompe-se, assim, a dicotomização prática pedagógica X administração escolar, porque a Administração Escolar, no processo de formação que é o processo da participação coletiva, torna-se prática pedagógica fundamental para as práticas dentro da escola. Além disso, no momento em que a Administração Escolar deixa de ser centralizada em um ou em um pequeno grupo de sujeitos e sim num coletivo formado pelos amplos setores da escola, há que se admitir que também a própria prática pedagógica em sala de aula passa a ter caráter administrativo.
De qualquer forma,
… a condução democrática das atividades no interior da instituição escolar, fundamentada não apenas na participação de todos os setores a ela relacionados, mas sobretudo na vigência de relações de colaboração recíproca entre os envolvidos, não é um projeto que se realize do dia para a noite (…), mas que deve ser conquistado historicamente, através da ação constante (…). (PARO, 2003, p. 165)
Referências bibliográficas:
ADRIÃO, Theresa; CAMARGO, Rubens Barbosa de. A Gestão Democrática na Constituição Federal de 1988. In_MINTO, César Augusto [et al.]. Gestão, Financiamento e Direito à Educação: análise da LDB e da Constituição Federal. – 2 ed. – SãoPaulo: Xamã, 2001. pp 69-78
CARNOY, Martin; LEVIN, Henry M. Escola e Trabalho no Estado Capitalista. – 2 ed. – São Paulo: Cortez, 1993
DOURADO, Luiz Fernandes. A Escolha de Dirigentes Escolares: políticas e gestão da educação no Brasil. In_FERREIRA, Naura S. Carapeto (org.). Gestão Democrática da Educação: atuais tendências, novos desafios. – 4 ed. – São Paulo: Cortez, 2003. pp 77-96
FRIGOTTO, Gaudêncio. A Produtividade da Escola Improdutiva: um (re) exame das relaçõs entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. – 6 ed. – São Paulo: Cortez, 2001
KRAMER, Sônia. Por Entre as Pedras: arma e sonho na escola. – 3 ed. – São Paulo: Ática, 1998
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. In_MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. – São Paulo: Alfa-Ômega, 2000a. pp 13-47
PARO, Vitor Henrique. Administração Escolar: introdução crítica. – 12 ed. – São Paulo: Cortez, 2003