Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
[Ricardo Reis]
Primavera de mil setecentos e setenta e quatro
No dia em que você me deu bombos tentando me expulsar do seu coração, pensei no quanto a ironia das circunstâncias pode ser planejada e no quanto acontece inconscientemente, sendo apenas parte da mente de quem a interpreta.Então decidi que não mais tentaria. Comeria os bombons como a gorda os comeu sem nem mesmo me dar um pedaço, daria um último beijo e faria o último sexo, como se realmente fossem os últimos atos de uma vida tão valiosa quanto qualquer outra vida, como se eu pudesse premeditar os sentidos e os sentimentos, como se eu fosse o último dos homens e o primeiro dos pais.
No dia em que você, em terceira pessoa, me pediu um tempo, percebi que o ressentimento contido nas palavras era somente casca de uma ferida muito mais profunda de uma cicatriz que não se fechava, de um mancha que não se limpava nem com o mais potente dos alvejantes do esquecimento que pode ser a diária felicidade a conta-gotas; que as mais simples e as mais complexas das ações eram sempre sobrepujadas pelas mínimas frustrações e tive a certeza de que os “felizes para sempre” era tanto o que você mais desejava quanto o que você mais repelia e o que cobrava de mim era exatamente o que não poderia me dar.
No dia em que seus olhos faiscavam ódios eternos e amores crispados, muitos existidos antes de mim, senti a impotência de um ser humano – apenas um homem entristecido – diante de milhares de canhões armados, de um céu carregado de nuvens cinzentas prontas para desabar até a última molécula de água. Como um condômino, submeti-me às leis marciais da coletividade individualista do meu coração, às múltiplas unilateralidades de suas identidades e, como um réu torturado, mas jamais em razão da tortura, confessei meu crime de indiferença e covardia, de autovilipêndio: o assassínio de Ego e a fuga da Razão.
Nesse dia – no dia em que sabíamos que você estava com as melhores cartas do jogo e ainda assim preferiu usar o blefe – entreguei os pontos não pela iminência da derrota, que seria tão minha como sua, mas sim pela esperança na mudança, pela necessidade de reconstruir um caminho e de encontrar a cura que estava à nossa vista o tempo todo. Amei mais você por me fazer enxergar que a solidão do amor que compartilhamos não é o que buscamos, é o amor possível que damos um ao outro e que essa constante felicidade que almejamos nada tem a ver com a ausência que sentimos, mas a merecemos como a mais sublime de todas.
S.s. W.