
Educação é prática coletiva e um coletivo não é meramente uma soma de indivíduos; é um organismo que se constrói pela ação de sujeitos com suas subjetividades e que compartilham concepções e princípios comuns – sujeitos que dialogam a partir de suas individualidades, se comprometem e se responsabilizam no e pelo processo, sabendo que este é tão importante quanto o resultado, porque é daquele que se origina a boa ou má qualidade deste.
É certo que um coletivo não se constrói ao vento, por osmose ou por geração espontânea – ele é fruto de trabalho e da ação consciente, planejada, coerente e consequente de lideranças. Neste sentido, tomando como referência um importante teórico revolucionário que dizia que a crise do movimento revolucionário é a crise da direção revolucionária, precisamos reconhecer que em certa medida as dificuldades de uma coletividade são reflexos de dificuldades da direção dessa coletividade.
Contudo, não se pode esquecer que também direções e lideranças não se constroem ao acaso e não atuam fora de contextos e de condições materiais, nem se constituem pela imposição de uma autoridade formal, ou pela simples força de vontade dos indivíduos que a compõem.
As questões subjetivas são importantes, por óbvio, mas também elas são construídas socialmente e não são inatas, pelo contrário, são aprendidas e assimiladas na prática e na reflexão da prática, a partir das experiências vividas e na realidade concreta, que não são as ideais – entendendo-se por ideais, aqui, o que está ou nasce no plano das ideias.
Como bem observou Karl Marx, livremente citado, fazemos a nossa própria história, mas não fazemos como queremos; não a fazemos sob circunstâncias de nossas escolhas, e sim sob aquelas com que nos defrontamos diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. Coisa que o Drummond sintetizou de maneira tão simples em três versos complexos: “São tão fortes as coisas/ mas eu não sou as coisas/ e me revolto”.
Além de contextos e das condições materiais, é preciso considerar o peso e a força das estruturas, que não são neutras, pois são estruturas de classe, esferas do poder e, consequentemente, se organizam em direções cujas intencionalidades e projetos políticos muitas vezes estão cortinados em seus discursos. Precisamos conversar sobre isso: aprender a ler nas entrelinhas, isto é, o dito e o não dito, o bem e o mal dito.
Ocorre que o pensamento neoliberal opõe processo a resultado, desprezando aquele em nome deste, ao ponto de sugerir que não importariam métodos nem metodologias, porque – depreende-se por essa linha de pensamento – os fins (os resultados) justificariam os meios (os métodos). Nesse vale de sombras onde tudo vale, quem seríamos nós para questionar os métodos, não é mesmo?
Como diz a expressão popular, quem somos nós na fila do pão? Para ajudar a nos situar nessa fila, imaginemos que o método é a “linguagem” (as diferentes formas de expressão utilizadas pelas pessoas para se comunicar) e a metodologia – fundamentada no projeto político-pedagógico de cada escola – é a “língua”(o conjunto organizado de elementos, que usamos para nos comunicar).
Nesse caso, se as práticas pedagógicas se constituíssem meramente de somatórias de indivíduos que indiscriminada e inquestionavelmente pudessem usar da própria linguagem (o método), sem dialogar com os princípios e as concepções comuns e, deste modo, desconectados da língua, isto é, da metodologia (o projeto político-pedagógico) quem se entenderia nessa Babilônia?
O ideário neoliberal tenta fazer crer que a responsabilidade pelos resultados – e a culpa pelos fracassos – é dos indivíduos única e exclusivamente, desprezando contextos, condições materiais e suas implicações para as subjetividades dos sujeitos, colocando para debaixo do tapete as estruturas e os elementos estruturantes que a própria política neoliberal engendra e, com isso, criando uma espécie de autoimunidade ou isenção de suas próprias responsabilidades quanto aos processos, que são necessariamente coletivos, e não somatórias de ações individuais com concepções e princípios meramente confrontantes entre si (as contradições obviamente não são anuladas, ao contrário, elas coexistem – é no trabalho coletivo, delineado pelo projeto político-pedagógico de cada escola, que elas se equalizam).
Para os sujeitos, essa linha de pensamento – neoliberal – tem dois efeitos práticos: um bastante conhecido, posto que a olhos vistos, que é o adoecimento físico, psicológico e psíquico; o outro, que adoece não apenas o corpo, como também a consciência: a alienação.
Já para a educação, o caminho nessa lógica é a falência, que se prenuncia na desvalorização dos projetos político-pedagógicos, que está implícita na exacerbação do individualismo e na depreciação da educação como prática coletiva.

Quem não entendeu o que está em risco, levanta a mão junto com o Manolito!
Se há mitos que devemos nos haver, não seria o “mito” da educação como prática e processo coletivo, porque não é um mito, é uma realidade, afinal, nos constituímos como seres humanos, aprendemos e ensinamos no convívio em sociedade, nas interações humanas, mediadas pela linguagem e pelos demais objetos da cultura, e não vivemos em cabinas individuais de alguma Matrix fictícia.
Outro mito a ser superado é o de que a ideia do coletivismo aboliria as responsabilidades individuais – muito pelo contrário, o lugar onde tudo pode é o que se assenta no individualismo, justamente porque aí não importariam métodos e sim os resultados… porque aí (nunca será demais repetir) os projetos político-pedagógicos das escolas estariam sob risco de extinção e, consequentemente, seria a negação das finalidades da Educação.
No trabalho coletivo, as responsabilidades individuais são ainda mais acentuadas, porque devem necessariamente estar comprometidas com os princípios e as concepções que permeiam e norteiam o processo educativo e porque devem ser coerentes aos objetivos de aprendizagens e à finalidade da educação.
Em outras palavras, ao planejar ações e ao definir as atividades, ou seja, ao escolher os métodos, não se pode observar apenas os objetivos de aprendizagem – o que pretende que seja aprendido -; antes disso, precisa-se ter em foco que as práticas devem ser coerentes com a diretrizes, os princípios e as concepções que delineiam a Educação.
Toda e qualquer prática serve, desde que se alcance os resultados? Não.
Ainda que possamos considerá-los como indicadores, a produtividade da escola não é mensurável em metas e resultados, ela se concretiza na formação humana em sua integralidade, isto é, nas aprendizagens dos conteúdos em seus mais amplos aspectos (conceituais, atitudinais, procedimentais e factuais).
Finalmente, chegamos à resposta de quem somos nós na fila do pão para questionar métodos e metodologias: nós somos aqueles que consomem e que também produzem, e que compreendemos, com Paulo Freire, que “não basta saber ler que “Eva viu a uva’…
