“Elas se refugiaram na noite, as palavras”…

Há um grito em cada silêncio, 
Uma pergunta sem resposta,
Um problema sem solução,
Uma equação por resolver.

Somar ou subtrair? Nunca sei.
Nos multiplicamos e nos dividimos
Em fragmentos do que não somos,
Na inconstância de sons e sonhos.

Será que vale a pena acordar?
Um dia, nem que seja por um dia,
Quiçá e aí, então, fugir para o mar.

.

[M.S]

Por Isso Agora Falo

Falo como poeta
Eu sou livre e não sabia
Mas essa inconsistência do papel
E essa minha língua vermelha, mordida
Carne, nervos e sangue - o doce aroma
Corte exposto no indicador esquerdo
Eu sou poeta e não sabia.

Eu sou poeta e não queria
Conhecer a louca esperança tonta
Que faz a escrita toda torta
O vício da rima e o vício da mina
Só, mano, é isso aí! Pra sair do contexto
Nada do que faço é certo
Eu sou o homem no deserto.

Falo com o falo
À flor da pele o hormônio
O palavrão improferível
A idade média da razão
Eu sou o fruto que sai da terra
O ofídio - tal como, frio e paciente
Eu sou poeta e não sentia.

Não sentia que era isso
Essa coisa, esse asco
Essa pedra bruta, esse fiasco
Esse profundo fundorifício
Detalhado na teta e na testa
Marca de fuzil alemão
Que eu nunca vi.

Não, menina, eu não vou fugir
Apenas quero me esconder
Desse jeito meu (seu) de ser
Da fantasia de sua boca na minha
De seus lábios carnudos, calientes,
Tangendo a fímbria do amanhecer...
É que sou poeta e não dizia.

Por isso agora falo.

.

[M.S. / Em algum momento do milênio passado]

Vastidão

Bomba.

       Bamba

Bambu.

O frio corta a alma
que tropeça, calma,
                  sôfrega,
                  trôpega

Cana-de-açúcar
pinga, garapa, 
               tinta
ginga, gincana
cultura química

O corpo, veloz,
corta o vento

A navalha corta
            o tempo
esgotando-se
cada gota rubra
          e espessa

Espera. O dia custa 
a chegar 
Dia composto em roda 
                     de samba
                              raíz

                    Quem diz
que é mais forte
              que o infinito
pode até pensar bonito
            mas engana-se

                   Esgana-se
a cada minuto 
hora segundo
isso é o que eu lia
e me sentia diminuto
nesse mundo mundo
            vasto mundo

Uma rima,
uma solução,
para estar por cima
é aprender a dizer 
                         não

É uma pena!
Como no poema
mais vasto é esse meu 
                      coração.



Imagem em destaque: A Lua, de Tarsila do Amaral

Embalo

Embala-se no ar
Ao som da nova canção
Sob o áureo luar
Palpitando o coração.

Ao longe o mar
Perfazendo a emoção
Navegar, navegar!...
Perder-se na razão.

Em transe albaroar
Sem qualquer objeção
No cais da mente açodar
Parte-a-parte o coração.

Embala-se na noite
O silêncio suave
Passos d'um coiote
E um cingir de chave...

[M.S.]

Imagem em destaque: Johannes Plenio em Pexels.com

Independência

Independência da morte
presos na ponte
estamos sem sorte
no alto do monte

Independência da sorte
presos no monte
estamos sem morte
no alto da ponte

Independência do monte
presos na sorte
estamos sem ponte
no alto da morte

Na ponde da morte
do monte sem sorte
na ponte do monte
da sorte sem morte

Independência!
no monte da morte
estamos presos no alto
- a morte sem sorte

[M.S.]

Imagem em destaque extraída de Pixabay

Semântica

Aprendi desde há muito 
a sutileza das palavras;
a intuir nas entrelinhas
gestos e intenções não reveladas;
a compreender o que está sendo dito
naquilo que não está escrito.

Um substantivo mal colocado,
um adjetivo inocentemente à mingua,
um advérbio que escapa pelos dedos,
ou que escorre pela língua,
revelam segredos.

O que não sei pela omissão
completo com a imaginação
- peças se encaixam, se desencaixam
e, como um animal ferido,
mas vivo, prossigo.

Atribuo sentidos ao que leio
desnudo o que percebo
com a emoção
e com a razão
resvalo em medos
desvelo segredos.

[M.S.- Março/ 2023]


Imagem em destaque: Pieter Bruegel