Poética do puro e do profano

                     I

...Às vezes escolho um beco sem saída
Mas não há sempre becos sem saída
Nem tristeza que perdure
Nem felicidade infinita.

                    *

"All the bridges that you burn
Come back one day to haunt you".
                  (Tracy Chapman)

                     II

Sou o operário das letras
- Imagino-me assim;
Faço com tal:
Fabrico ilusão, sonho e ideal;
Instinto? Revolução.
Sigo esta trilha
e acho que é essa a minha natureza.

                    *

"Everybody sing we're free, free, free".
                         (Tracy Chapman)

                    III

Procurei respostas para algumas situações...
Respostas não encontrei em frases
- encontrei-as em seus atos.
Telefonei: será que ainda alimento esperanças?
Acho que regresso ao passado e talvez seja tarde
Porém não acredito que seja - tudo mudou.

Escrevo como se depusesse em um grande julgamento:
Os versos que fiz para os meus camaradas foram sinceros;
Os versos que fiz para a minha amada foram sinceros.
Sinceros foram os versos que não ousei fazer.

Estou pensando em novas frases com velhas palavras até.
Quando preciso com urgência tudo desaparece.

Meritíssimo, não sou poeta, não sei escrever.
Pode ser que eu tenha transmitido essa imagem,
                                      só isso,
                                         só...

                    *

"Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência".
                   (Eduardo Alves da Costa)

                    IV

Tudo bem, digamos que eu seja realmente poeta.
Brincando de se passar por hermeneuta,
                         ou astronauta
                          das palavras
                      dos sons citados
                       sem ritmos, dos
                   fonemas, dos planos
             dos filmes dos cinemas...
Pouco (ou nada) importa a esta altura.

                    V

Mas sou, som sim o poeta
- o poeta do apocalipse, da beira do precipício
                       fazendo das letras o meu
                                         ofício
                                 e o meu vício.

Sou a coisa podre
remoendo o treco nojento que revira o bagulho escroto
à procura do nauseabundo odor das palavras.

Sou o seu nada
o êxtase da indiferença retorcido ao nunca;
o ser misterioso que ao lhe ver passar ao seu chão
                                            junca.

                    Sou o poeta
                        do
                    fim do milênio.

Vejo as casas que transmitem ideias
                  serem destruídas,
Vejo as casas que abrigam os mortos
                  serem destruídas,
Vejo a poeira se erguendo
enquanto o concreto vai caindo.

Tentei. Tanto quanto tive tempo.
Trespassando horas e toneladas.
Tudo: multiplicado pelo vazio absoluto

E, em meio a tanta magnitude,
em meio à gravidade da situação.
ainda posso ver uma criança sorrindo.

Eu sou o poeta e não o profeta.
Tenho o alfa e o ômega - o início e o fim -
                         não em minhas mãos
                   mas em minha imaginação.

                    *

"A vida nós a amassamos em sangue
         e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual..."            
                 (Ferreira Gullar)

                    VI

Epílogo: Os corpos em chamas na noite tranquila...
           As cinzas no céu, carregadas pelo vento
                             para repousar no mar:
                         Cinzas da poluição fabril
                     resultada da ganância febril.

                    *

               "You in your fancy
               Material world
               Create in your image
               A supreme god

               Your virgin mary
               Your holy ghost
               Claimed to be purê of heart
               Have hands are stained with blood"
                                  (Tracy Chapman)