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Durante a noite
Dormi cedo. O corpo, amaciado por horas de caminhada a esmo, pedia folga e alguma paz. A mente, entorpecida, por um tempo esqueceu de si, esqueceu de…
Nas profundezas do sono não lembro se sonhei. Sinto que sim e que foram intensos, turbulentos, como têm sido todos os outros, como se acordado estivesse.
Quem sabe por isso mesmo à meia- noite despertei, insone. Demorei a abrir os olhos e por instantes tive a impressão que a escuridão é a ordem natural das coisas.
A luz da Lua entrou pela janela e o mensageiro dos ventos tilintou levemente.
Um sereno frio tocou em meu rosto, entrou pelas narinas e encheu os pulmões de um ar que trazia consigo o cheiro das folhagens verdes das plantas do quintal.
Será que o cheiro das coisas são as coisas? As coisas dissolvidas em doses quânticas, carregadas pelo vento?
Silêncio…
A natureza não responde. As coisas são. Apenas são o que são. Não possuem nomes nem mesmo a ideia de si. Não possuem significados nem lançam enigmas pelos ares. Não buscam sentidos nem sentem.
Às vezes somos quase como as coisas: não fazemos ideia de nada. A diferença é que sentimos, sem saber o porquê…
Fazem semanas que lá fora os dias são menos barulhentos e as noites não se ouvem os cães latindo, os estouros de escapamentos, a música alta vindo do alto do morro, as máquinas da fábrica ao lado, incansáveis nas madrugadas.
O sono deu lugar à sede; a falsa calmaria na mente cedeu à tempestade dos pensamentos: a incompreensão dos fatos, o vazio dos acontecimentos e outro silêncio que grita, distante, estridente e sem explicação.
Grita em silêncio, lançando fragmentos de respostas… Nem tudo é sobre a gente, mesmo sendo.
A Terra, redonda, gira em torno de si mesma e em meio a outros astros gira em torno do Sol, gira, gira, sem noção da solidão do espaço, sem noção, sem espaço…
Era preciso dormir para esquecer. Não de tudo, mas da repentina e constante ausência que faz o Sol quando não brilha; quando, com sua má disfarçada indiferença, não aquece e insiste no inverno; quando, com a ponta de dedos feéricos, pressiona a boca do estômago e põe o coração a bater na arritmia dos passos em uma caminhada forçada.
Era preciso… Mas já se vão as horas, as estrelas, a noite.
Talvez
Tudo em mim se vai Tudo o que é meu E tudo o q'eu poderia ter sido Inclusive o que eu sou. De mim apenas fica Um pouco do que fui E um tanto do que serei (do que, na verdade, penso em ser) Já não tenho medo de me perder Mas 'inda me procuro a cada instante Por isso escrevo como quem joga Palavras ao vento, Conchas ao mar, Areia no deserto... Sou isso mesmo E nem mesmo sei quem sou No espelho me desconheço, As águas não me refletem, O fogo não ilumina Nem tampouco aquece. Sua voz ainda assusta Seu nome tange os signos Mas não encontro eco na memória. Todavia, persiste. Assim, a sua ausência é tão concreta: Às vezes desencontrada Outras, jamais acontecida. Talvez eu explique, Talvez não entenda, Contudo, esta é a minha vida. [M.S.]
Autopsicografia, de Fernando Pessoa
Poética do puro e do profano
I
...Às vezes escolho um beco sem saída
Mas não há sempre becos sem saída
Nem tristeza que perdure
Nem felicidade infinita.
*
"All the bridges that you burn
Come back one day to haunt you".
(Tracy Chapman)
II
Sou o operário das letras
- Imagino-me assim;
Faço com tal:
Fabrico ilusão, sonho e ideal;
Instinto? Revolução.
Sigo esta trilha
e acho que é essa a minha natureza.
*
"Everybody sing we're free, free, free".
(Tracy Chapman)
III
Procurei respostas para algumas situações...
Respostas não encontrei em frases
- encontrei-as em seus atos.
Telefonei: será que ainda alimento esperanças?
Acho que regresso ao passado e talvez seja tarde
Porém não acredito que seja - tudo mudou.
Escrevo como se depusesse em um grande julgamento:
Os versos que fiz para os meus camaradas foram sinceros;
Os versos que fiz para a minha amada foram sinceros.
Sinceros foram os versos que não ousei fazer.
Estou pensando em novas frases com velhas palavras até.
Quando preciso com urgência tudo desaparece.
Meritíssimo, não sou poeta, não sei escrever.
Pode ser que eu tenha transmitido essa imagem,
só isso,
só...
*
"Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência".
(Eduardo Alves da Costa)
IV
Tudo bem, digamos que eu seja realmente poeta.
Brincando de se passar por hermeneuta,
ou astronauta
das palavras
dos sons citados
sem ritmos, dos
fonemas, dos planos
dos filmes dos cinemas...
Pouco (ou nada) importa a esta altura.
V
Mas sou, som sim o poeta
- o poeta do apocalipse, da beira do precipício
fazendo das letras o meu
ofício
e o meu vício.
Sou a coisa podre
remoendo o treco nojento que revira o bagulho escroto
à procura do nauseabundo odor das palavras.
Sou o seu nada
o êxtase da indiferença retorcido ao nunca;
o ser misterioso que ao lhe ver passar ao seu chão
junca.
Sou o poeta
do
fim do milênio.
Vejo as casas que transmitem ideias
serem destruídas,
Vejo as casas que abrigam os mortos
serem destruídas,
Vejo a poeira se erguendo
enquanto o concreto vai caindo.
Tentei. Tanto quanto tive tempo.
Trespassando horas e toneladas.
Tudo: multiplicado pelo vazio absoluto
E, em meio a tanta magnitude,
em meio à gravidade da situação.
ainda posso ver uma criança sorrindo.
Eu sou o poeta e não o profeta.
Tenho o alfa e o ômega - o início e o fim -
não em minhas mãos
mas em minha imaginação.
*
"A vida nós a amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual..."
(Ferreira Gullar)
VI
Epílogo: Os corpos em chamas na noite tranquila...
As cinzas no céu, carregadas pelo vento
para repousar no mar:
Cinzas da poluição fabril
resultada da ganância febril.
*
"You in your fancy
Material world
Create in your image
A supreme god
Your virgin mary
Your holy ghost
Claimed to be purê of heart
Have hands are stained with blood"
(Tracy Chapman)
Palavras
1 – É necessário dizer Preciso dizer-te Esta noite, somente Uma palavra-chave Abrir as portas do mundo E somar cada estrela De todas as constelações E multiplicá-las por cada gotícula De água das nuvens desse inverno... Preciso dizer-te, celeste É o espaço sideral Porta e chave do Universo. Invadir, já, o planeta Da constelação de mesmo nome E alcançar um pedacinho De um sonho e de uma vida E multiplicar, multiplicar Por todas as ansiedades E por todas as esperanças... Preciso dizer-te, Aurora É mais que a luz da manhã; É pura sincronia Dos versos divinos Concretizada (em vão) Pela necessidade De efeitos naturais Para acordar os seres humanos... Estender, pois, a mão Sem luva que derrube Ao escapar, Mas estender a mão nua, Sem segredos a esconder. 2 – Perspectivas Preciso dizer-te Que já estamos sem tempo E há tempos estamos distantes. (Uma palavra em desespero percorre meus pensamentos) Preciso dizer-te Que temos, ainda, alguma chance E as alternativas foram abandonadas. (Uma voz suave alucina minha alma) Preciso dizer-te Que os planos foram queimados E, mesmo assim, lutamos.
E por falar em cesta básica…
Senta que lá vem história…
Era início dos anos 80. Morava ainda em Embu das Artes e, por óbvio, a memória daqueles anos são apenas flashes de episódios recortados.
Eu devia ter uns 3, 4 anos e morava numa casa de dois cômodos com meus pais, meus irmãos, um casal de tios e seus filhos, meus primos.
Não tenho memórias dessa convivência, mas curiosamente recordo de dois episódios específicos…
Bolsominions fazem das redes sociais territórios sem lei
Sentados no sofá, atrás de celulares, notes ou PC, os típicos bolsominions, machistinhas misóginos, falam grosso com mulheres, ameaçam, se sentem reis do universo, acostumados que estão a achar que a internet é o cercadinho do Bolsonaro, onde o gado fascistóide vomita seu ódio livremente. Continuar lendo “Bolsominions fazem das redes sociais territórios sem lei”
A Internacional Socialista interpretada por um tenor
Baseado em fatos divinos
Hoje recebi vários telefonemas de um número desconhecido, cujo ser do outro lado insistia o dia todo.
Normalmente não atendo número desconhecido, mas ao final do dia, por pura curiosidade, atendi: era Deus do outro lado falando. Continuar lendo “Baseado em fatos divinos”