Maudie: Sua vida e sua Arte

O filme retrata de forma romantizada a vida sofrida da artista plástica Maud Lewis, que não se rendeu às dificuldades causadas por uma doença congênita que limitava seus movimentos.

Suas obras, com traços simples e belos, são como ferramentas para sobreviver ao ambiente de opressão, discriminação e preconceito em que viveu na infância e na vida adulta, demonstrando uma habilidade emocional surpreendente para conviver e lidar com um marido bruto, com a violência física e patrimonial e com as explorações econômicas de sua arte.

Nunca fez tanto sentido a máxima que diz “Temos a arte para não morrer da verdade”, que é atribuída ao filósofo Nietzsche.

As paisagens são lindas e a trilha sonora maravilhosa (destaque para Dear Dearling, de Mary Margaret O’Hara). É impossível chegar ao final do filme sem um travo na garganta e alguma revolta na alma.

Por alguma razão (por muitas razões!), o retrato que o filme traz de Maud me fez lembrar um poema de Boris Pasternak:

“Ser famoso não é bonito.
Não nos torna mais criativos.
São dispensáveis os arquivos.
Um manuscrito é só um escrito.

O fim da arte é doar somente.
Não são os louros nem as loas.
Constrange a nós, pobres pessoas,
Estar na boca de toda a gente.

Cumpre viver sem impostura.
Viver até os últimos passos.
Aprender a amar os espaços
E a ouvir o som da voz futura.

Convém deixar brancos à beira
Não do papel, mas do destino,
E nesses vãos deixar inscritos
Capítulos da vida inteira.

Apagar-se no anonimato,
Ocultando nossa passagem
Pela vida, como à paisagem
Oculta a nuvem com recato.

Alguns seguirão, passo a passo,
As pegadas do teu passar,
Mas não deves dissociar
Teu sucesso de teu fracasso.

Não deves renunciar a um mín-
Imo pedaço do teu ser,
Só estar vivo e permanecer
Vivo, e viver até o fim”.

E você? Depois de assistir ao filme, o que vê da sua “janela”?

*

Em tempo: para aprofundar a reflexão sobre o filme, indico o artigo “Maudie, ou a arte como estratégia de sobrevivência emocional“, de Maria do Carmo Guido (melhor assistir ao filme antes de ler o artigo).

Imagens: Google Imagens e site História da Arte.

Nuestros Amantes

Produção espanhola no catálogo da Netflix, Nuestros Amantes é classificada como comédia, drama, romance, comédia romântica e – curiosamente – como drama romântico.

Um homem e uma mulher se encontram em uma livraria e começam a desenvolver um relacionamento com um desafio: não saber o nome de ambos e nem perguntar diretamente ou pesquisar sobre a vida um do outro. Nada de telefone; nada de internet.

A fotografia é simples e atrativa, bonita mesmo, com closes em personagens bastante expressivos e possíveis.

Com algumas cutucadas em referência à “qualidade” literária do escritor Paulo Coelho, os diálogos são divertidos, engraçados e sensíveis. O tema, delicado; a abordagem, inteligente.

Vale a hora e meia pelo seu roteiro sem grandes sobressaltos, mas nem por isso muito previsível, ou desinteressante. Pelo contrário, no caso desse filme, um pouco de previsibilidade cai bem porque torna a coisa verossímil a ponto de a gente não apenas imaginar onde vai dar, como também torcer para que aconteça e, ainda, num certo momento ficar com raiva por achar que a coisa vai degringolar de vez. Se vai ou não, só assistindo para saber 😉

Perdida (série da Netflix)

Feriadão prolongado e inesperado aqui em São Bernardo e me senti no dever moral de contribuir com umas dicas para você não sair de casa. Vamos lá!

Alerta: contém spoiler pra caramba!

A primeira temporada da série espanhola “Perdida” estreou esta semana na Netflix. Segundo o Jornal Correio Brasiliense, é “uma surpresa a cada episódio. Série Perdida, na Netflix, é diversão certa para fãs de suspense”.

Com seus onze longos capítulos cheios de obviedades e de personagens estereotipados, a série (espanhola na origem, mas com DNA de dramalhão mexicano) é tão previsível que te faz querer assistir só pra se certificar que aquilo que você acha que vai acontecer, acontecerá realmente. E acontece!

Então não se preocupe com os spoilers aqui, já que a série toda é um spoiler de si mesma – da primeira cena do capítulo 1 à última cena do décimo primeiro capítulo, está tudo tão traçadinho que é possível, em determinados momentos, até reproduzir com certa antecedência algumas falas das personagens.

Fazendo uma parte, essa coisa de se antecipar às falas previsíveis das personagens é bem irritante, eu sei, mas é um vício que admito possuir e é particularmente prazeroso quando se assiste em ambiente compartilhado, especialmente em cinemas, em que a relativa escuridão favorece o pecado sem a identificação do pecador.

Mas voltemos ao objetivo deste texto, que é estragar sua vontade de assistir a série. Ou não…

Se bem que para a geração que cresceu na cultura do Vale a Pena Ver de Novo e das revistas de novelas, spoilers só aumentam o desejo de assistir (se você não faz parte dessa geração, pare por aqui. Vou até pular umas linhas pra te ajudar).

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O fato é que a série faz jus ao nome. Está todo mundo perdido: atores, telespectadores e, principalmente, os roteiristas. E o que é fundamental: ninguém se encontra.

Uma das atrizes interpreta uma atriz ruim, que só consegue papéis em seriados por conta do marido mafioso. Já colocou um espelho em frente ao outro? Então… Ela deve ter interpretado a si mesma… Nem é bom falar muito, porque não sei como ela conseguiu o  papel na série.

Brincadeira: tem que ser muito boa para parecer ruim. Ou ser mesmo ruim…

O que todo mundo sabe é que essa coisa de colocar uma série dentro de outra é um recurso para ocupar o tempo. Estou certo ou não?

Mas tem muito mais!

Tem uma defensora pública que faz uso de métodos inusitados para alcançar a justiça, tem personagens que do nada desaparecem do meio da história (devo ter dormido e perdido alguma parte). Tem um guarda-costas que (como naquele famoso filme, com aquele famoso ator, daquela famosa produtora) se envolve afetivamente com a protegida. Tem tiro, porrada e bomba… E sangue, bastante sangue e olho roxo em meio a músicas melosas intercaladas com choros forçados.

Chega a ser fascinante!

A história começa na Espanha e se desenvolve na Colômbia e apesar das claras referências a este país, o enredo e as performances dos atores inevitavelmente vão lhe remeter ao México.  Não se deixe perder por este pequeno incidente geográfico…

Até mesmo porque, considerando critérios adotados pelo General Pazuello, Colômbia e México seriam países vizinhos.

Alerta: Se você ainda está lendo e não quer saber mais, pare por aqui. Agora sim vem spoiler da pesada. Vou pular mais três linhas pra você ter tempo de avaliar se continua lendo.

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Mentira! Já pulei linhas demais…

A coisa é a seguinte: um casal tem uma filha de 05 anos sequestrada a mando de um casal de mafiosos que tiveram uma filha vendida, quando recém-nascida. Logo se descobre que na verdade eles sequestraram a própria filha que o casal havia adotado ilegalmente.

Maior zona!

A filha biológica, já com 18 anos, descobre que os pais com quem convive a sequestraram quando criança e quer conhecer os pais que ela acredita que são biológicos, sem saber que convive com os pais biológicos já.

Ou pelo menos pensa que são também, porque a esta altura já se sabe que não é bem assim… Afinal, diz o ditado que o diabo mora nos detalhes e, em se tratando de “Perdida”, os detalhes saltam como mãos estapeando os rostos. Inevitável não perceber.

O casal que teve a filha sequestrada (e que a adotou ilegalmente) faz de tudo para reencontrar a menina (já moça). Rola até uma prisão por tráfico de drogas, autoempreendida para que o pai, na penitenciária onde estava o sequestrador, descubra o paradeiro da filha.

Quem nunca? Prison Break já havia dado a linha, e antes dela outros mais. Era só seguir o fio e repetir a dose…

No fim, o pai traficante morre, o pai que teve a filha sequestrada e que foi preso para descobrir seu paradeiro é extraditado para a Espanha, para cumprir a pena lá, e a filha descobre que o homem que a sequestrou para o mafioso é, na verdade, o seu verdadeiro pai, que tinha um romance de juventude com a péssima atriz, esposa do pai mafioso.

A menina fica órfã de um pai e ganha outros dois  – presidiários – e de quebra faz as pazes entre as duas mães.

Tudo acaba maravilhosamente bem, na mais completa desgraça. E o que é pior: tem brecha para a segunda temporada.

Veredicto: aguardando ansiosamente as cenas dos próximos capítulos!

*

PS: Brincadeiras à parte, a atriz que interpreta uma atriz ruim é ninguém menos que Ana María Orozco, da novela colombiana “Betty, a Feia”, vencedora de importantes prêmios  da televisão e do cinema na categoria Melhor Atriz Internacional 😉

                                                                                                                                                         [M.S.]

Sobre “13 Reasons why” ou, simplesmente, “Os 13 porquês”.

Li diversas críticas antes de chegar efetivamente à série. A maioria qualificava como “necessária”, mas li algumas bem duras que simplesmente recomendavam às pessoas que não assistissem, inclusive argumentando que há orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que não se produza materiais desse tipo.

Fato é que, à medida em que eu ia assistindo, compreendi muito bem por que muitos conseguiram apenas dizer que a série é “necessária”.

Assumi diferentes papéis enquanto assistia: mãe, professora, adolescente, filha, aluna. Tem a ver com uma capacidade que precisa urgentemente ser exercitada na sociedade atual: empatia. Com essa história de “baleia azul”, então… Continuar lendo “Sobre “13 Reasons why” ou, simplesmente, “Os 13 porquês”.”

“Thirteen Reasons Why”: Impactante e necessário

Traduzido para o português brasileiro como “Os treze porquês” e adaptado do romance do escritor Jay Asher (2007) pela Netflix numa densa série com 13 episódios lançados de nesta sexta feira, 31 de março, acabei assistindo-os quase de uma tacada só.

Uma vez diante do enredo e da narrativa que vai revelando os motivos pelos quais uma adolescente comete suicídio é impossível não querer saber as próximas cenas dessa história dramática, intensa, pesada, sensível e em certos momentos brutal, tal como é o mundo da adolescência e seus cotidianos conflitos potencializados pela costumeira inabilidade e indiferença com que nós, adultos, lidamos com os jovens e suas idiossincrasias, Continuar lendo ““Thirteen Reasons Why”: Impactante e necessário”

Rapsódia em Agosto

Ficha Técnica:
 
Diretor: Akira Kurosawa
Elenco: Richard Gere, Fumiko Honma, Hisashi Igawa, Mitsunori Isaki, Narumi Kayashima
Produção: Ishirô Honda
Roteiro: Ishirô Honda, Akira Kurosawa
Fotografia: Takao Saitô
Trilha Sonora: Shinichirô Ikebe
Duração: 98 min.
Ano: 1991
País: Japão
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Não definida
 
***
Sinopse: Uma história que nos traça o panorama sobre laços familiares e os traumas provocados pela explosão da bomba atômica no Japão durante a II Grande Guerra. Enquanto seus pais viajam para o Havaí, quatro jovens adolescentes vão morar temporariamente na cidade de Nagasaki na casa de sua avó Kane (Sachiko Murase). Ao visitar o monumento erguido em memória das vítimas da tragédia que se abateu sobre a cidade, os jovens ouvem a versão de sua avó sobre o ataque acontecido em agosto de 1945. Mais tarde, Clark (Richard Gere), um sobrinho americano de Kane, chega à cidade para conhecer seus parentes japoneses. Agora, os jovens têm a oportunidade de ouvir e conhecer o outro lado da história sobre a bomba atômica. Uma história marcada pela morte, dor e arrependimento.
 
***
Puxa… Um filme com um tema complexo e feito com uma simplicidade de arrasar o coração. A cena mais emocionante, para mim, foi justamente esta que segue acima. Recomendadíssimo!!! [M.S]

Como Estrelas na Terra – Toda Criança é Especial

Conforme prometido, disse que este próximo post traria minha crítica do filme. Vamos começar dizendo que o nome completo do filme é “Taare Zameen Par – Every Child is Special”, o que significa, exatamente, “Estrelas na Terra – Toda Criança é Especial”. Embora o filme fale diretamente sobre o caso de uma criança, ele é uma mensagem para o mundo sobre o verdadeiro papel de um educador e formação de um novo ser humano – veja que não digo professor, mas educador. Ao afirmar no título que toda e qualquer criança é especial, que são como estrelas na Terra, a proposta é trazer a idéia de que não podemos negligenciar a diversidade e preciosidade dos projetos de gente de nosso mundo, pois são eles que fazem o futuro.

Mas assisti ao filme sem saber o significado do título. Estava ainda na Índia quando o vi e, pior, vi sem legendas. Mas me segurei pra não deixar as lágrimas escorrerem quando o filme terminou, com vergonha de que as pessoas que estavam por perto me vissem daquele jeito. Bobagem. Nas outras vezes que assisti não deu pra segurar.

Eu vi Taare Zameen Par num momento em que minha viagem pela Índia já impunha em meu ser a necessidade de adaptar-se ao jeito indiano de ser. Eu já havia visto muito (mesmo que muito mais ainda falte por ver) e já compreendia em grande medida o que é ser indiano e fazer parte daquela sociedade tão não-fácil de se viver. Já havia visto alguns filmes indianos, antes de ir à Índia e enquanto lá estive, mas, de repente, assisti ao Taare Zameen Par. Me assustei com aquilo. O filme vai muito além de tocar na sensibilidade de ser criança e educador; ele manda uma mensagem de nosso papel como ser humano – o que na Índia não é tarefa fácil. Aliás, é bom que eu diga, poucos são os próprios indianos que realmente reconhecem o valor desse filme, muito poucos.

Em muitos momentos, Aamir Khan optou por utilizar recursos caricatos para os personagens do filme, sobretudo em relação aos professores de ambas as escolas por que Ishaan passa. Ainda que personagens caricatos possam trazer um grau de irrealidade para a trama, em Taare Zameen Par a caricatura contribui para aumentar a sensação de sofrimento, opressão e incompreensão vivido pelo garoto disléxico. No conjunto, caricaturas e clipes de música ilustram uma ficção que de irreal nada tem; qualquer semelhança entre a ficção e a vida real é mera coincidência, diz, antes do filme começar. Mas o próprio professor Ram Shankar Nikumbh (interpretado por Aamir Khan) lembra às crianças que Einstein, Agatha Christie, Da Vinci e Tomas Edison eram disléxicos e sofreram na infância – TZP é história da vida real. Antes fosse apenas ficção.

Já que citei os clipes de música, vamos falar sobre eles. Comumente, nos filmes de Bollywood, as cenas de música não costumam exatamente complementar o desenrolar da história, mas aparecem mais como um momento de entretenimento e, recentemente, de expor homens e mulheres em seu ápice de beleza corporal. As músicas nesses filmes são, no entanto, as coisas mais importantes da produção cinematográfica. Para se ter uma idéia, as trilhas sonoras são lançadas cerca de um mês antes da estréia dos próprios filmes – e esta é a principal estratégia de marketing das produtoras. Imediatamente as músicas entram na lista dos mais tocados da semana e todos cantam as trilhas dos filmes que ainda nem viram. Na Índia quase não há espaço para grupos de música, pois o que se ouve vem dos filmes, tal é o peso da produção cinematográfica indiana.

Em Taare Zameen Par, portanto, não poderia ser diferente. No entanto, há uma grande diferença na função destas músicas para o decorrer do filme e como elas são mostradas. A diferença mais importante está no fato de que não há as típicas cenas de dança dos filmes de Bollywood; as músicas aparecem como clipes, mostrando cenas que complementam a história que está sendo contada naquele momento, porém sem diálogos. A primeira a aparecer, por exemplo, mostra a rotina da casa de Ishaan. Num outro momento, Ishaan sai pra rua e anda pela cidade (Mumbai), reparando em detalhes não usuais para uma simples criança de sua idade. Neste momento toca a música Mera Jahan, que, literalmente, significa Meu Mundo. É o que Ishaan vê e reconhece como fazendo parte integrante. Ao voltar pra casa ele elabora o que viu fazendo um desenho – a criatividade artísticas em disléxicos tende a ser mais aflorada, pela sua maneira distinta com que o mundo é compreendido. A música que ficou mais famosa, porém, foi Maa, que significa Mãe, como já disse anteriormente. Quando passa essa música, Ishaan acaba de chegar no internato e sofre demais – sua mãe também. Postarei este clipe pra vocês.

Numa outra música, com o título que dá nome ao filme, vemos o professor Ram Nikumbh em seu emprego na escola pra crianças especiais e depois partindo para a casa de Ishaan, onde irá conversar com seus pais. A música é longa e tão longo é todo esse momento, mas nem percebe-se a música tocar, dada a imensidão de informações passando. Porém, o detalhe mais importante desta passagem está no que faz Ram no caminho até a casa de Ishaan, que não vi indiano nenhum fazendo e nem sequer parando para refletir sobre. No ônibus, o professor ajuda uma mãe com seu bebê; depois, na beira da estrada, paga um chá com biscoitos à criança-empregada do estabelecimento. Em outro momento, andando ao lado da feira, pega a couve-flor que cai no chão. Coisas simples, mas indianos não costumam fazer coisas simples. Simples ajudas, mas indianos não costumam ajudar.

Taare Zameen Par vem também cumprir um importante papel na sociedade indiana. Não se trata de civilizar ou ocidentalizar, mas de trazer um pouco mais de humanidade para o coração hindustani, um pouco mais do senso de individuação, que de nada tem a ver com individualização. Talvez ainda além de mandar uma mensagem sobre o papel do educador, este filme ensina antes o que é ser pai, o que significa e o que implica em ter um filho. Ram Nikumbh, contestando o que o pai de Ishaan disse a ele em certo momento, deixa bem claro o que significa a palavra “cuidar”. E neste momento sublime, alerta para que não aconteça com Ishaan o que acontece com as árvores das Ilhas Salomão, que morrem após as pessoas ficarem gritando à sua volta. Aamir Khan fez uma obra-prima – e talvez a última também. Será difícil que ele faça um filme tão bom como esse de novo.

TZP arranca lágrimas até de quem nem conhecia o verbo chorar. Não deixe de assistir.