hoje eu não estou para a música
tem dias que a gente só quer
o barulho dos autos que passam
do vento soprando as folhagens
e às vezes nem isso; só o silêncio
o silêncio mesmo do pensamento
o olhar fechado, quieto, no escuro
o tempo naquela cena, esquecido
o silêncio do coração pulsando
das asas da borboleta pousada
o silêncio das rimas quebradas
dos versos sem prosódias
das ondas lentas, do vídeo pausado
daquela fotografia ali na escada
o silêncio do seu silêncio
mas tudo é grito, nada é sussurro
as passadas sem pressa
e sem qualquer sincronia
das pessoas no outro lado da rua
elas não gritam, trovejam
os sorrisos efusivos
as pálpebras pesadas de sono
a planta florescendo à nossa frente
os sacos de lixo à espera da coleta
gritam, gritam, gritam, só gritam
e eu querendo o silêncio de memórias
das coisas que nunca foram, se foram
o silêncio de uma lágrima perdida
abrindo na face uma ferida de sal
que, invisível, saliente, agita – e grita.
[M.S.]
- Imagem em destaque: “Caminhante sobre o mar de névoa”, Caspar David Friedrich, 1818
- Música de fundo: “O Silêncio: Concertino“, Madredeus











