Fora do tempo

Sem o susto de cada dia o homem não vive. 
Não pode com a certeza do fim ou de um recomeço sem tréguas, 
Com o imediato silêncio no instante que chega - e passa, 
Com o sopro do vento que traz uma gota de chuva,
Com a maneira certa de falar ou de se portar à mesa... 

Não pode com isso, muito menos com aquilo. 

Com uma fonte de desejo à frente e uma moeda que falta, 
Com o futuro que se esgarça a cada ação planejada 
- como areia que se esvai numa intenção esquecida.

O homem não pode consigo. 
Vê a estreiteza das rochas e insiste no naufrágio, 
Abandona-se à sorte para deleitar-se com a paisagem. 
Quando se dá conta, já foi, sem nunca ter sido. 

[M.S.]