Video-Poema: Nebulosa

Às memórias que as palavras trazem, adicionei imagens que remetem a outras lembranças, construindo algo fora do tempo, ou melhor, anacrônico, em que os tempos se misturam e as histórias e as memórias se perpassam.

Não seria assim, na tecitura da vida, entre tempos e contratempos, aos trancos e barrancos, que vamos tecendo nossas histórias?

E as histórias pessoais, quando as apresentamos, por escrito ou em outras narrativas, carregam sentidos tão íntimos que por vezes se tornam indevassáveis, ao mesmo tempo em que podem se encontrar com os sentidos de outras pessoas!…

“O poema (já dizia o carteiro ao poeta) pertence a quem lê”. Nesse caso, a quem ouve e vê.

[MS]

Música: Força Estranha – tocada por Ricardo Pachá.

Nebulosa

(Música de fundo: Força Estranha – Instrumental – Ricardo Pachá)
I

Ela tem o mundo
- ela quis o mundo.
Mas tem o mundo nas costas
- a mãe doente e o mundo pesando
mais que unha encravada no dedão do pé.

Eu sei: ela não quis o mundo assim.
Idealizamos algo além do paraíso
E pensamos ter descoberto a fórmula
                                                 / exata
E pensamos alugar uma vida única e
                                            / sensata
Mais que as cores do arco-íris.

II

... um ateu                  ... alguém paciente
                 uma risada
... o corpo estendido, mas retraído
            não parecia o que era
            não era o que parecia
                   parecia
                     perecia
                       parceria
                         ar
                          e
                            ria
... apenas comoção, lucidez, um trovão
E a noite fria cortante
               nebulosa e cortante
constante, contanto...

III

Ela fugia das respostas
E muito mais das perguntas.
Eu, angustiando em alma derretida,
Em alma que nem acreditava existir
Por não ter confiança própria
Por esquecer que existe vida
E que o Sol ainda se põe.

Eu tinha um mundo
Um universo, reverso, inverso
                                 / ao verso
            único
              isolado
               triste
              mas indiferente
              e para mim era tudo
              e tudo era simples
Eu não queria mais nada
Desconhecia e repudiava
O que me fazia
                        pensar
Pois tinha tudo - estava certo,
                                      esperto
(esperteza não é inteligência?)
E bastava ser mais um
                                     no meio
                sempre aos cantos
                apenas mais um.

IV

Ela tem um caminho
Eu também tenho
(e às vezes uso um atalho)
E temos já a desilusão...
Sobre-humano é o esforço
           esboço de força
Pincel com tinta azul
Banhada em cera líquida branca
                   Ou melhor, alva.

E o alvo era calvo nem isso era
                              era objeto
                              objetivado
                              substanciado
                              substantivado
Próprio, incomum, excludente
                               sobrevivente
                                 impertinente
                                  não era alvo.

V

Ela tem os pés no chão
E eu a cabeça embaixo do solo
Aterrada por sufocante delírio ‘in vita’
(é estranho como as pessoas resolvem ir
e nem tanto quando vão sem avisar.
Hoje, as estrelas estão mais brilhantes
e um gatinho rola no chão ao luar.
No caminho, as flores sorriem caladas
E os mortos certamente não se levantam)

Sinto uma energia sincera me contemplar;
Nos meus passos nem uma pedra
                            nem uma gota
Somente algum pássaro cantando
                       solitário.


                                                                        [M.S.]


Imagem em destaque: montagem com foto do Google Imagens