Ensaios sobre financiamento público e Educação Infantil (3)

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (16 de Julho de 1934)

A mais breve de nossas Constituições, a de 1934, formada no contexto da incipiente industrialização brasileira, inaugurou a República Democrática ao estabelecer, em seu Art. 2ª, que “Todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos”.

Iniciava-se a Nova República, resultante da pressão da Revolução Constitucionalista de 1932. Também, no que diz respeito ao financiamento da educação, foi a primeira Constituição brasileira a definir a vinculação de recursos, isto é, a criar mecanismos claros de financiamento da educação.

Assim, em seu Artigo 156, estabelece que a “União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos”.

Kramer (2001, p.120), referindo-se a este período histórico, afirma que a Constituição de 1934 “iria incorporar as contribuições do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional, e ouvir as vozes dos educadores que, comprometidos com a democratização da educação brasileira, advogavam a escola pública para todos”.

Todavia, acrescenta a autora, as políticas públicas às populações infantis de 0 a 6 anos, além de continuar no âmbito do discurso da saúde, na prática pouco se efetivava.

Notas de Leitura: “A Infância como Construção Social”, de Manuel Pinto (Final)

PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.

     4. Contributos para uma sociologia da infância

Preocupado com a construção de uma abordagem sociológica da infância, Manuel Pinto, na última parte de seu artigo, discorre sobre algumas questões que considera essencialmente significativas para tal construção, a saber:

  • A necessidade de desconstrução das representações sobre a infância;
  • O reconhecimento dos mundos sociais das crianças enquanto dotados de um certo grau de autonomia;
  •  A contribuição da teoria da estruturação para o estudo sociológico da infância.

Quanto à questão das representações sobre a infância, considera que se deve ter como pressuposto o contexto sócio-cultural, cuja consideração é, podemos assim dizer, condição básica para “a desconstrução e análise crítica de imagens mitificadas e estereotipadas acerca das crianças”. Mais do que isso, afirma Pinto, é necessário distinguir “a infância entendida como determinada etapa da vida, compreendida dentro de certas balizas de natureza etária (de resto bastante variáveis), da infância perspectivada como conjunto social de características heterogêneas”. Assim sendo, o conceito de infância “está longe de corresponder a uma categoria universal, natural e de significado óbvio”.

Já a respeito dos mundos sociais das crianças, Pinto aponta que “as crianças têm algum grau de consciência dos seus sentimentos, idéias, desejos e expectativas, que são capazes de expressá-los e que efetivamente os expressam, desde que haja quem os queira escutar e ter em conta”. Além disso, acrescenta, “há realidade sociais que só a partir do ponto de vista das crianças e dos seus universos específicos podem ser descobertas, apreendidas e analisadas”.

Tais postulados implicam no reconhecimento de que (conforme Prout e James) “as crianças também constroem os seus mundos sociais, o ambiente que as rodeia e a sociedade mais vasta em que vivem”.

Resumidamente, segue o que, segundo o autor, podemos considerar destacadamente como aspectos relativos aos mundos sociais da infância: redes de amigos; expressões culturais infantis; novos papéis das crianças na vida doméstica; relações na vida familiar; linguagem; influências sobre os adultos; condições de vida das crianças; “modos diferenciados de como as crianças usam, se apropriam e atribuem sentido aos espaços, tempos, serviços e lógicas das instituições criadas pela sociedade adulto para a socialização dos mais pequenos”.

Por último, discutindo a teoria da estruturação e sociologia da infância, e recorrendo a Prout e James, Pinto apresenta sinteticamente as bases em que “poderá assentar a nova forma de abordagem dos mundos sociais da infância”. A saber:

  • Infância como construção social e, por isso, nem universal nem natural;
  • Infância como variável da análise social, associada a outras variáveis (como sexo e classe social), e cuja análise comparativa “revela uma grande variedade de infâncias”;
  • Necessidade de estudo das culturas e das relações sociais das crianças a partir de suas próprias perspectivas;
  • Consideração das crianças como sujeitos ativos em relação ao seu próprio mundo e à sociedade;
  • A construção de um novo paradigma de sociologia da infância corresponde ao processo de reconstrução da infância na sociedade.

A partir destas perspectivas, e citando Giddens, Manuel Pinto relembra que, conforme a teoria da estruturação, “as propriedades estruturais dos sistemas são, ao mesmo tempo, condição e resultado da ação dos sujeitos”, o que nos leva a concluir que, sendo assim, também as crianças, consideradas como atores sociais, tanto influenciam como são influenciadas pelo assim chamado “sistema social”.

Finalmente, o autor encerra argumentando que qualquer análise da infância baseada em apenas um foco estará prejudicada e, portanto, faz-se necessária uma “pluralidade de focagens” que, mais do que necessária, “constitui-se como uma condição essencial para um melhor conhecimento e valorização do lugar da infância na sociedade”.

Referências Bibliográficas

GRINBERG, Keyla. Contra Enganadores. In_ Revista de História da Biblioteca Nacional, nº 54, Março 2010.

Notas de Leitura: “A Infância como Construção Social”, de Manuel Pinto (6)

PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.

3. Diluição de fronteiras entre adultos e crianças: o papel dos media.

A despeito das evoluções da noção de infância e da constituição desta enquanto categoria social sujeita de direitos, de sua valorização “ser um dado adquirido, ou talvez por isso mesmo”, acrescenta Manuel Pinto, ao menos nas sociedades ocidentais a infância continua a ser uma questão problemática e polêmica. Novamente recorrendo a Ariès, o autor ressalta que este estudioso já “notava sintomas de um fenômeno de mudança que, segundo ele, se caracterizava pela passagem de uma situação de ‘reinado absoluto da criança’ para outra situação em que ela passou a ser olhada e sentida como uma realidade incômoda e impeditiva de ‘um melhor desenvolvimento dos indivíduos e do casal’”.

Fenômenos sociais como a entrada em grande escala das mulheres no mercado de trabalho e o próprio desenvolvimento tecnológico constituem-se, segundo o autor, em fatores que acarretaram num substancial e paradoxal “aparente desinvestimento” na infância. Paradoxal porque ocorre justamente numa época em que os direitos são consagrados, inclusive pela aprovação da Convenção dos Direitos da Criança, em 1989.

Pinto, ao discutir sobre a contemporaneidade caracterizar-se por uma infantilização da sociedade e – recorrendo às interpretações de Postman – pela crescente diluição de fronteiras entre adultos e crianças, considera a existência do que podemos denominar como uma crise de identidade do mundo adulto. Assim, constata que, no campo dos discursos, encontram-se dois argumentos “tendencialmente opostos”:

  • A ênfase nos valores e nas vantagens da juvenilidade – discurso segundo o qual o adulto “não passa de um mito, porquanto pressupõe a idéia de acabamento e de cristalização, estranha a uma sociedade em mudança que exige uma constante adaptação”;
  • A persistência da maturidade como um objetivo a ser atingido, para o qual a educação deve estar a serviço.

Recorrendo a Neil Postman, o autor revela que a diluição da fronteira entre o mundo dos adultos e das crianças “manifesta-se no vestuário, nos jogos, nos comportamentos sociais, no tipo de linguagem” – campos que mais delineavam os limites entre os dois mundos. Correspondente à descaracterização da adultez, segue a descaracterização da idéia de infância, uma vez que ambas são categorias cujos significados constroem-se não apenas de forma concomitante, mas associada.

Ainda segundo Postman, entre outros, tal desconstrução é patrocinada pelo “ambiente cultural criado pelos meios de comunicação eletrônicos”. A televisão, e a mídia eletrônica em geral, interpõem-se entre a família – ou escola – e a criança, implicando na impossibilidade do “controle e da gestão” da informação. A criança é submetida ao contato direto (e irrestrito) com o mundo adulto: “através da exposição à TV, as crianças vão adquirindo referências para avaliar e comparar os hábitos, comportamentos e crenças da sua família e do mundo dos adultos em geral”, o que faz com que a família deixe de ser uma influência decisiva para a criança, conforme avalia Meyrowitz.

Segundo Marie Winn, há uma semelhança “entre o apagamento da infância que se verificaria nos nossos dias e a situação existente nos finais da Idade Média, em que as crianças eram representadas como adultos em miniatura”. O agravante em nossa época – acrescento – é que não apenas crianças são estimuladas a assemelharem-se, em comportamento, atitudes, vestimentas etc, como também os adultos buscam assemelharem-se, em comportamento, atitudes e vestimentas, às crianças. (CONTINUA…)

“Estatuto do Magistério” do Município de São Bernardo do Campo: Mitos, Mistérios e Possibilidades

Por Marcelo Siqueira (Membro da Comissão Setorial da Educação do Sindiserv/SBC)

Novamente, a reforma do Estatuto entra em pauta em nosso município, e desta vez não é simplesmente pela pressão dos profissionais da educação pública local para o seu cumprimento, mas propiciada pelas próprias diretrizes do MEC a respeito da valorização do magistério e da valorização dos profissionais da educação como um todo. Tudo isso no bojo da Emenda Constitucional nº 53/2006, que estabelece o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB.

Pretende-se, com este artigo, apresentar nossas reflexões pessoais a fim de contribuir para o debate que se acerca a respeito do Estatuto, buscando esclarecer certos equívocos, ou mitos, que têm deixado confusos os trabalhadores em educação de nossa Rede Municipal.

O mito do Estatuto dos Profissionais da Educação contra o Estatuto do Magistério

Um dos mitos difundidos que mais prejudicam a discussão sobre a reformulação do Estatuto refere-se à oposição entre Estatuto do Magistério e Estatuto dos Profissionais da Educação, isso porque, subjacente a ele, existem ao menos outros dois mitos inter-relacionados, a princípio ingênuos, mas danosos: o mito da perda de direitos do magistério com o Estatuto dos Profissionais da Educação e o mito da inclusão de outros profissionais da educação na carreira e no Estatuto do Magistério de São Bernardo do Campo.

Segundo a lógica do discurso que coloca em oposição Estatuto dos Profissionais da Educação e Estatuto do Magistério, teríamos que aceitar o inevitável destino de restringir a discussão do Estatuto somente aos profissionais do magistério, uma vez que não se poderia discutir a valorização dos trabalhadores em educação enquanto profissionais da educação porque a Lei não permitiria.

De fato, a Resolução CNE/CEB nº 02/2009, que “Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública”, em seu Artigo 2º, § 1º, define quem são os profissionais a serem contemplados por estas diretrizes:

… “aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de Educação Básica, em suas diversas etapas e modalidades (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional, Educação Indígena), com a formação mínima determinada pela legislação federal de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”

E, logo em seguida, ao contrário do que dizem a respeito da Lei não permitir tal possibilidade, o § 2º do referido Artigo estabelece que “os entes federados que julgarem indispensável a extensão dos dispositivos da presente Resolução aos demais profissionais da educação poderão aplicá-los em planos de carreira unificados ou próprios, sem nenhum prejuízo aos profissionais do magistério.

Em outras palavras, a reformulação do Estatuto deve garantir as diretrizes estabelecidas pela Resolução nº 02/2009 para a carreira do magistério e não há impedimento legal em colocar na pauta da discussão do Estatuto os demais profissionais da educação. Aliás, Maria Izabel Noronha, no Parecer 09/2010, a respeito dos Planos de Carreira e Remuneração dos Funcionários da Educação Básica Pública, nos lembra que

“Todos os espaços da escola são espaços educativos e o processo de aprendizagem também se complementa fora da sala de aula, onde o professor desenvolve um papel único e insubstituível. É preciso reconhecer que a educação é um processo coletivo e que, nos demais ambientes escolares ocorrem contínuos momentos de interação entre os funcionários da educação e os estudantes, que contribuem, de forma peculiar e diferenciada, para o processo ensino-aprendizagem e para a formação integral dos alunos. O inspetor de alunos, os funcionários administrativos, a merendeira, o tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), guia-intérprete e outros que atuem no apoio, principalmente às atividades de alimentação, higiene e locomoção na Educação Especial, o ajudante geral e todos os que realizam os serviços de apoio são intrínsecos ao processo educativo”.

O mito da perda de direitos do magistério com o Estatuto dos Profissionais da Educação

Alguns profissionais do magistério manifestam a preocupação quanto à proposta do Estatuto dos Profissionais da Educação com receio de que, com isso, colocariam seus direitos em risco. Se após ler o item anterior (O mito do Estatuto dos Profissionais da Educação contra o Estatuto do Magistério), este receio persistir, sugerimos uma leitura direta da fonte, isto é, a Resolução CNE/CEB nº 02/2009, com especial atenção ao Artigo 4º, que trata da obrigatoriedade dos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério e cumprimento das diretrizes, entre as quais: acesso, progressão, critérios para valorização profissional, remoção, dedicação exclusiva, revisão salarial anual, entre outros.

O mito da inclusão de outros profissionais da educação na carreira e no Estatuto do Magistério

Parece-nos que estaremos sendo óbvios quanto ao que se segue, mas como esse mito continua sendo veiculado, apesar de sua fragilidade, lá vai: defender o Estatuto dos Profissionais da Educação não significa incluir, na carreira do magistério, profissionais cujas formações não sejam as exigidas para ingresso na função do magistério.

A Resolução CNE/ CEB nº 02/2009 é explícita quanto aos profissionais que podem ser considerados profissionais do magistério, tanto quanto possibilita elaborar um Estatuto que possa valorizar – cada um em sua função e em sua respectiva carreira – todos os demais profissionais da educação. Aprofunda esta questão a Resolução CNE/ CEB nº 5, de 3 de agosto de 2010,  que  “Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Funcionários da Educação Básica Pública” e, em seu Artigo 2º, estabelece:

A presente Resolução aplica-se aos profissionais descritos no inciso III do artigo 61 da Lei nº 9.394/96, o qual considera profissionais da Educação Básica os trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim, desde que habilitados nos termos da Resolução CNE/CEB nº 5/2005, que cria a área de Serviços de Apoio Escolar (21ª Área Profissional) ou de dispositivos ulteriores sobre eixos tecnológicos sobre o tema, em cursos de nível médio ou superior.

O mito da criação do Estatuto dos Profissionais da Educação

A Lei Municipal 5.820/2008, que por força do hábito costumamos chamar de Estatuto do Magistério, “Dispõe sobre o Ensino Público Municipal, o Estatuto do Magistério do Município de São Bernardo do Campo, Criação do Quadro Técnico Educacional, Plano de Cargos e Carreiras dos Profissionais da Educação”.

Disto, podemos tirar duas conclusões básicas: primeiro, o Estatuto que temos não é Estatuto do Magistério, mas sim, de fato, Estatuto dos Profissionais da Educação, estando o Magistério incluso nele, e não o contrário; segundo, que não é preciso criar o Estatuto dos Profissionais da Educação, pois ele já existe, congregando os profissionais do magistério e os profissionais do quadro técnico educacional (originalmente, Assistente Social, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Psicólogo, Terapeuta Ocupacional, Dirigente de Creche, e Pedagogo), e integrando ao Estatuto os cargos de Inspetor de alunos, Oficial de Escola e Auxiliar em Educação (Art. 68), que são específicos da SE.

O mito da obrigatoriedade de divisão dos planos de carreira em estatutos diferentes

Algumas pessoas consideram que as diretrizes do MEC para os planos de carreira e remuneração do magistério e as recentes diretrizes para os planos de carreira e remuneração dos profissionais da educação instituem que cada uma destas categorias profissionais tenha seu próprio estatuto e, por isso, sejam tratadas separadamente.

          Associada a esta interpretação equivocada está a crença, desmistificada anteriormente, de que defender o Estatuto dos Profissionais da Educação implica na tentativa de inclusão de profissionais  que não fazem parte do quadro do magistério na carreira do magistério.

Porém, o que estas duas diretrizes necessariamente indicam são as especificidades do magistério e dos demais profissionais da educação, estabelecendo critérios básicos para garantir uma política de valorização (essa sim obrigatória) dos trabalhadores em educação, sejam profissionais do magistério ou funcionários da educação.

Arthur Fonseca Filho, relator do Parecer CNE/ CEB nº 04/2004, respondendo ao questionamento da Secretaria de Educação de Campinas a respeito da obrigatoriedade dos municípios instituírem um documento específico da carreira do magistério, não deixa dúvidas ao afirmar que é “de competência de cada um dos Municípios decidir se o Estatuto do Magistério e Plano de Carreiras se constituem num documento específico dessa categoria ou se integram o conjunto de normas de todo o funcionalismo municipal”. Aliás, como também já apontamos, a Lei Municipal 5820/2008 trata dos profissionais do magistério e também de outros trabalhadores em educação.

Discutir isoladamente, e estabelecer em estatutos separados o plano de carreiras do magistério e o plano de carreiras dos profissionais em educação – ou, pelo contrário, discutir entre o conjunto de trabalhadores da educação e estabelecer em um único estatuto o plano de carreiras do magistério e o plano de carreiras dos profissionais em educação, conforme possibilitam as orientações do MEC e do Conselho Nacional de Educação – não se trata, pois, de uma imposição legal. Trata-se, isso sim, de concepções diferentes, e em muitos aspectos opostas, sobre política pública, sobre o que é ser educador e o que é educação.

O mito do Estatuto como restrito à esfera profissional individual

Há pessoas que acreditam que a discussão do Estatuto dos Profissionais da Educação diga respeito estritamente aos interesses profissionais individuais. Na verdade, essa discussão é do interesse tanto do coletivo dos trabalhadores em educação como também dos munícipes em geral, usuários da Rede Municipal de Ensino.

É indiscutível que o Estatuto (bem ou mal) regulamenta a vida funcional dos profissionais em educação, e assim interessa também a cada um individualmente; mas não estamos falando de qualquer trabalhador em educação, e sim dos trabalhadores da educação pública, que prestam serviço essencial diretamente à população.

Um trabalhador bem remunerado, valorizado profissionalmente através de uma formação consistente e de condições adequadas de trabalho sem dúvida tem maior possibilidade de prestar um serviço de melhor qualidade. Mas isso não é tudo, pois, ainda que possamos questionar se o faz de fato, quando a Lei Municipal 5.820/2008 afirma que “dispõe sobre o Ensino Público Municipal”, coloca o conceito do Estatuto além das questões profissionais individuais.

Maria Izabel de Azevedo Noronha, ao relatar o Parecer CNE/ CEB 09/2009, vai muito mais além ao argumentar que:

… “quando debatemos as Diretrizes para a Carreira do Magistério – e a dos profissionais da educação de um modo geral –, não estamos tratando tão-somente da questão salarial, duração da jornada de trabalho, evolução funcional. Discutir a carreira do magistério significa examinar todas as interfaces da organização do processo educacional.

Assim, como reformular as Diretrizes para a Carreira do Magistério, tendo em vista oferecer às crianças e aos jovens um ensino de qualidade, sem refletir sobre o Pacto Federativo e as obrigações educacionais da União, Estados e Municípios na perspectiva do sistema nacional de educação? Sem tratar do financiamento da educação, na direção da implementação do custo aluno qualidade? Sem compreender a função social da escola e a necessidade da organização de seus tempos, espaços e currículo para atender aos desafios do mundo contemporâneo?”

Enfim, se a discussão do Estatuto não dissesse respeito também aos interesses coletivos, o Ministério da Educação não precisaria delinear políticas públicas a esse respeito, como o faz ao fixar diretrizes nacionais para os planos de carreira dos profissionais do magistério e dos funcionários da educação pública.

O mito da política de governo como assunto não-passível de discussão

Como argumento para não se discutir algumas questões – por exemplo, a possibilidade de regulamentar o Estatuto dos Profissionais da Educação –, temos ouvido dizer que “não se discutirá porque se trata de política de governo”.

É fato que o papel da administração pública é elaborar propostas no seu âmbito de responsabilidades, mas isso não subtrai a necessidade do debate coletivo, porque o sentido e a lógica da democracia é justamente a possibilidade de discutir as políticas de governo, que são políticas públicas.

A História humana tem demonstrado que os maiores equívocos ocorrem justamente quando os governantes se julgam autossuficientes para elaborar e estabelecer políticas públicas.

Referências bibliográficas

Embora geralmente a leitura das leis, pareceres e resoluções não são de fácil digestão, recomendamos a leitura das mesmas na íntegra (e de preferência junto com seus colegas de trabalho), para que possam conhecer mais profundamente os rumos que se apontam para os planos de carreira dos trabalhadores em educação e, assim, possam criar repertório que possibilite a discussão e a elaboração, o mais coletivamente possível, de propostas que de fato valorizem o trabalho dos educadores e contribuam com a qualidade da educação pública municipal.

  • Emenda Constitucional nº 53/2006 – Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
  • Lei Municipal 5820/2008 – Dispõe sobre o Ensino Público Municipal, o Estatuto do Magistério do Município de São Bernardo do Campo, Criação do Quadro Técnico Educacional, Plano de Cargos e Carreiras dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.
  • Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008 – Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.
  • Resolução CNE/ CEB nº 02, de 28 de maio de 2009 – Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, em conformidade com o artigo 6º da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, e com base nos artigos 206 e 211 da Constituição Federal, nos artigos 8º, § 1º, e 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no artigo 40 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.
  • Lei nº 12.014, de 06 de agosto de 2009 – Altera o art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com a finalidade de discriminar as categorias de trabalhadores que se devem considerar profissionais da educação.
  • Resolução CNE/ CEB nº 05, de 03 de agosto de 2010 – Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Funcionários da Educação Básica pública.

Notas de Leitura: “A Infância como Construção Social”, de Manuel Pinto (5)

PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.

2. A infância, desenvolvimento e socialização

          Para Manuel Pinto, embora seja um conceito relativamente recente, a socialização das crianças é um processo “tão antigo como as sociedades humanas”.

          Assim o autor define que a socialização é o “processo através do qual os indivíduos apreendem, elaboram e assumem normas e valores da sociedade em que vivem, mediante a interacção com o seu meio mais próximo e, em especial, com a sua família de origem, e se tornam, desse modo, membros da referida sociedade”.

          Conforme nos esclarece, a socialização tem sido abordada a partir de duas maneiras distintas: a partir da sociedade e dos agentes socializadores (perspectiva segundo a qual a “questão central consiste em saber como é que uma dada sociedade transmite/ inculca valores, crenças, normas e estilos de vida”); ou então a partir dos indivíduos em processo de socialização e dos respectivos mundos sociais (nesta, o centro são a atividade dos indivíduos, os processos de apropriação, de aprendizagem e de interiorização).

          Opondo-se à idéia de socialização como uma espécie de “programação cultural”, isto é, de inculcação, de absorção passiva das “realidades com que entra em contato”, Pinto recorre a Giddens, para quem a criança é um ser ativo nesse processo; mas alerta para o fato de que “os pressupostos de uma parte importante dos modelos conceptuais elaborados acerca do processo de socialização continuam a privilegiar a vertente da sociedade e do mundo adulto, deixando mais ou menos explícito o caráter constrangedor e programador deste e o papel meramente adaptativo do indivíduo” – nesse caminho segue Talcott Parsons, pra quem a socialização se constitui numa “das alavancas fundamentais da construção do consenso social”; em sentido oposto, encontra-se Wrong, que classifica como adestramento essa noção de socialização de Parsons.

          Buscando uma via diferenciada, Piaget concentra sua teoria de socialização “nos processos mentais e na noção de construção por parte do indivíduo”, atribuindo a cada estádio de desenvolvimento uma forma correspondente de socialização. Dialogando com Durkhein, ora aproximando-se deste, ora contrapondo-se, Piaget concluiu que “existem relações sociais específicas que são características dos grupos infantis”, com regras próprias que, “nem por isso, deixam de ser sociais”.

          Fazendo uma leitura crítica, Chris Jenks compreende que, subjacente à teoria piagetiana, está “implícito um paradigma de racionalidade científica caracterizado por um elevado grau de abstração, generalização, de natureza lógico-dedutiva, erigido como ideal para o qual a criança em processo de socialização deveria tender”. Chama a atenção para a falta de questionamento e não explicitação desses pressupostos e, ainda, que a adoção de um “modelo de adulto sério e racional tenderia a fazer encarar o jogo como uma atividade trivial e não séria”. Jenks, por sua vez, considera o jogo como “uma dimensão importante do trabalho da criança enquanto membro de uma sociedade”.

          A secundarização, atribuída a Piaget, ao papel da linguagem também é criticada por Jenks. Pinto nos esclarece que, para Piaget, o desenvolvimento lingüístico é resultado do desenvolvimento cognitivo, enquanto para os psicólogos russos, entre os quais destaca-se Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo é impulsionado pelo surgimento da linguagem e, consequentemente, do pensamento discursivo. Com posição intermediária, Bruner considera que, “no caso dos bebês, é verdade que é o desenvolvimento cognitivo que precede e influencia o desenvolvimento lingüístico”, mas isso muda quando a criança passa a dominar a linguagem como instrumento do pensamento. (CONTINUA…)

Notas de Leitura: “A Infância como Construção Social”, de Manuel Pinto (4)

PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.   

       O historiador Lloyde de Mause, aproximando-se parcialmente das idéias de Ariès e opondo-se enfaticamente à visão romanceada da construção social da infância, afirma que esta é marcada por atrocidades: “Quanto mais recuarmos nessa história, mais probabilidade teremos, segundo ele, de nos confrontarmos com a morte, o abandono, a violência, o terror e o abuso sexual sobre as crianças[1].

          Por outro lado, De Mause acredita que há uma tendência de evolução histórica no tratamento dado pelos adultos às crianças; apoiando-se em sua teoria “psicogenética” da História, “sustenta que cada geração acciona uma capacidade de retroceder à idade psíquica dos filhos e que, revivendo a ansiedade própria dessa idade, procura proporcionar uma melhor experiência do que aquela teve então”.

          Ainda que De Mause não tenha feito eco entre os historiadores, o fato é que, como ressalta Manuel Pinto, as atitudes relativamente à infância foram lentamente evoluindo, na esteira das “novas condições de vida” e das “novas mentalidades que se vão difundindo a partir do Renascimento”.

          Nesse sentido, Pinto reitera a importância das idéias de Locke e Rousseau que, embora distantes um do outro quanto ao sentido – positivo ou negativo – da influência do adulto no processo de formação da criança aproximam-se justamente pelo “reconhecimento do caráter decisivo da atenção e da intervenção dos adultos” nesse processo.

          Dando continuidade à investigação de como se dá a progressiva evolução da noção de infância, o autor dialoga com Freud, contrapondo este à Locke: longe de ser uma tabula rasa, a criança “está dotada de um aparelho psíquico, de impulsos instintivos e de capacidade de enfrentar os obstáculos que se lhe deparam”.

          Igualmente importante para a compreensão da infância, o filósofo norte-americano George Mead, estudando “os processos pelos quais se desenvolve na criança o sentido do eu (self) e do outro”, concluiu que o jogo (isto é, o faz-de-conta) tem importância relevante na construção desse sentido: a representação de papéis, típica da brincadeira de faz-de-conta, proporciona a “experiência da alteridade, isto é, do mundo exterior, enquanto realidade distinta” (que é, conforme Mead, “anterior à experiência que as crianças fazem de si”); ao fazer essa experiência, a criança “vê-se a si mesma”, ou seja, vai construindo a sua identidade.

          Pinto argumenta que a atual noção de infância começou a se delinear a partir dos séculos XVI e XVII, advertindo, porém: “só praticamente nos últimos 150 anos [adquiriu], de facto, expressão social, não só no plano da enunciação e dos princípios, como também, e, sobretudo, no plano da prática social generalizada”.

          À medida que se vai adquirindo cada vez mais um sentido de infância, vai-se também prorrogando cada vez mais a incorporação da criança ao mundo adulto, alargando-se, desde modo, o “tempo da infância, progressivamente ligado ao conceito de aprendizagem e de escolarização”. Além de extremamente lento, ressalta o autor, esse processo inicialmente esteve “bastante circunscrito às classes mais abastadas” (como foi afirmado anteriormente, com outras palavras, daí decorre que a noção de infância associa-se também à condição econômica. Assim constatado, não poderíamos afirmar que a visibilidade e a invisibilidade da infância têm que ver, substancialmente, com a classe social a qual pertence?).

          Ainda que sem aproximar-se das “pinceladas” drásticas que De Mause faz da história da infância, Freud vai à contramão da visão de inspiração rousseauniana de Fröebel, Pesatalozzi e Montessori, segundo os quais “a idéia prevalescente é a de que a criança é um ser bom, espontâneo e criativo e de que a educação deve assegurar as condições para um equilibrado desenvolvimento destas características”. Como explica Manuel Pinto, “os contributos freudianos evidenciam que o desenvolvimento infantil é um processo pouco romântico e bastante dramático, ao sugerir como condição do crescimento e do desabrochar para a vida social a capacidade de sublimar impulsos libidinais e agressivos. (CONTINUA…)


[1]Keyla Grinberg, em artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, ao relatar a história de uma negra escravizada na luta pela sua libertação, nos dá um exemplo bem claro do que Lloyde de Mause denuncia. Vejamos: “Desde muito nova, a escrava era assediada por seu senhor. Como Vieira costumava seduzi-la com promessas de liberdade, ela passou a conceder-lhe favores sexuais, mesmo de mau grado, logo tendo dois filhos. O primeiro, João, foi batizado e reconhecido como fruto do casal. O segundo não chegou a ser declarado, pelo medo que Liberata sentia das perseguições da família Rebello. Uma das razões de seu medo era o fato de ter sido testemunha ocular dos crimes cometidos por Anna, filha de seu senhor: ajudada pelo pai, a sinhazinha matou seus filhos recém-nascidos, todos ilegítimos, que havia tido com moradores da região”. (GRINBERG:2010)

Notas de Leitura: “A Infância como Construção Social”, de Manuel Pinto (3)

PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.

          Contrapondo duas realidades, o autor aponta que a separação entre adultos e crianças, no caso das classes ricas, se traduz na freqüência escolar em regime de internato; enquanto para as crianças das classes pobres, “o trabalho desde tenra idade iria continuar a ser uma realidade ainda por muito tempo”. Concomitante, vai crescendo a preocupação em relação à responsabilização da sociedade pela “recolha e proteção das crianças abandonadas e vagabundas”.

          No contexto da Revolução Francesa, em 1793 Condorcet propõe a laicidade e obrigatoriedade escolar para as crianças (meninas e meninos), negando a compreensão dos pais como proprietários e credores dos filhos, atribuindo àqueles o papel de devedores de seus filhos. Ainda assim, nos lembra Pinto, o debate sobre qual a melhor educação continuava: a promovida pela escola, ou a proporcionada pela família?

          Para o autor, a idéia de infância está necessariamente associada à idéia de família, que vai se modificando historicamente – tanto em conceito como em estrutura organizativa –, decorrente das diversas realidades econômicas: “ao longo dos tempos modernos, em diversas partes do Ocidente europeu, foram períodos de dificuldades econômicas que estiveram na origem da expansão de outros modelos” [de família], afirma Pinto.

          Essa afirmação possui dupla importância, pois, de um lado, corrobora a noção da infância como um constructo social (“aquilo que parecia um fenômeno natural e universal era afinal o resultado de uma construção paulatina das sociedades moderna e contemporânea”) e, de outro, indica – como veremos mais adiante – que tal noção condiciona-se não apenas pelo tempo histórico, como também pelas condições materiais de existência, o que nos levará a compreender que, ao nos referimos à infância, não poderemos nunca dissociá-la de seu contexto (econômico, social, cultural,) e que, por isso, um mesmo período histórico não abarca somente um tipo de infância, mas sim múltiplas infâncias. (CONTINUA…)

Notas de Leitura: “A Infância como Construção Social”, de Manuel Pinto (2)

PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.

  1. Uma perspectiva histórica sobre a infância

Retomando os estudos de Ariès, apresenta uma síntese das idéias sustentadas no livro “A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime”, a saber:

– Distinção entre infância e idade adulta tomando forma a partir dos finais do século XVII e especialmente do século XVIII, em alguns setores da aristocracia e da burguesia;

– Indícios de diferenciação entre criança e adulto já no século XVI, mas “nas classes superiores da sociedade”;

– Representação das crianças medievais como homúnculos;

– Persistência dos antigos modos de vida e de concepções de infância quase até aos nossos dias, entre as classes populares.

O autor nos lembra que a inexistência, em séculos passados, do que Ariès cunhou como sentimento de infância, não significa que os adultos desprezavam ou negligenciavam as crianças, pois embora pudesse não haver a noção moderna de infância, a existência da afeição do adulto pela criança não pode ser desconsiderada. Por outro lado, ressalta que a incorporação da criança na sociedade adulta (isto é, nas suas atividades e afazeres) acontecia precocemente, à medida que a criança ia adquirindo “certo grau de discernimento de si e do mundo”; tal transição, supõe, deveria iniciar por volta dos sete anos – idade que a igreja considerava que a criança já teria atingido “algum uso da razão”.

Ainda valendo-se de Ariès, Pinto expõe a conexão entre a constituição da categoria de infância e a preocupação pedagógica, argumentando que:

  1. A escola medieval não se destinava a educar a infância e, por isso, era indiferente à distinção e separação das idades;
  2. O interesse pela educação infantil, e a conseqüente separação gradual da infância em relação à sociedade adulta, está associado ao surgimento da imprensa e o procedente interesse pela alfabetização, isso tudo no contexto de mudanças sociais e de ascensão da burguesia mercantil;
  3. Esse interesse acarreta o reconhecimento da necessidade de proteção e de formação da criança, que passa a estar progressivamente sob a responsabilidade de instituições específicas, escalonadas por níveis etários;
  4. A educação das crianças, “desde o século XVIII até os nossos dias”, passa a utilizar como estratégia, alternadamente, ternura e severidade. (CONTINUA…)

Notas de Leitura: “A Infância Como Construção Social”, de Manuel Pinto (1)

PINTO, Manuel. A Infância como Construção Social. In_ Pinto, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades. Braga: Bezerra Editora, 1999.

Por Marcelo Siqueira

Manuel Pinto, no artigo em análise, nos conduz à reflexão, entre outras mais, sobre a suposta naturalidade atribuída à infância, defendendo a “dimensão de construção social” como característica dessa etapa de vida.

Propõe-se ao que denomina “abordagem sociológica da infância”, pautando-se pela perspectiva histórica e, assim, pelo foco nas dimensões sociais da infância; em suma, “no conjunto de processos sociais, mediante os quais a infância emerge como realidade social, realidade essa que produz, em certa medida, a própria sociedade”.

Como veremos em suas conclusões, a criança não é um ser passivo, que se constrói unicamente a partir da intervenção do meio social com ela; mais do que isso, ela interage com esse meio e, ao interagir, constrói a si e modifica a realidade.

Inicialmente, o autor enumera uma grande variedade de posições a respeito da infância, entre as quais: consideração da criança pelo que ela já é ou, contrariamente, pelo seu devir; necessidade de iniciação ao mundo adulto, ou a proteção da criança desse mundo; criança como um ser com competências e capacidades, ou a evidenciação de seus limites, de suas carências. (CONTINUA…)

Ensaios sobre financiamento público e Educação Infantil (2)

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (24 de fevereiro de 1891)

Fruto das disputas internas entre liberais e monarquistas, das pressões estrangeiras, e filha do golpe que levou ao poder o Marechal Deodoro da Fonseca, a Constituição de 1891 colocou um fim às pretensões de perpetuação monárquica e inaugurou o período conhecido como Velha República – designação muito apropriada, tendo em conta que aquela veio ao mundo quase natimorta, pois o seu próprio ilustríssimo expoente, o Sr. Deodoro da Fonseca, mal chegou à cadeira presidencial e

… “já se cansou de brincar de democracia. Enfrentando problemas com o Congresso e uma situação financeira deteriorada, resolve ignorar a Constituição brasileira, apenas oito meses depois desta ser homologada. Cerca com suas tropas o plenário e dissolve o Congresso”. (DUCLÓS: 2009)

De qualquer forma, a Constituição recém-inaugurada, além de promover a separação entre os assuntos do Estado e os assuntos da Igreja Católica, no âmbito administrativo transforma as províncias em Estados e cria o Distrito Federal, estabelecendo novas relações – de dependência, de interdependência e de autonomia – entre as unidades federativas, inclusive o princípio de não intervenção da União nos assuntos dos Estados – obviamente com algumas exceções; elimina o então denominado Poder Moderador e estabelece como constituintes da organização do Estado os até hoje conhecidos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

No plano político, não admite os “privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho”.

No plano jurídico, abole a pena de morte, as galés e o banimento. No plano social, estabelece a igualdade (formal) de direitos, a liberdade de culto, entre outros.

No plano educativo, a principal novidade é a decretação do ensino laico nos estabelecimentos públicos (Art. 72, § 6º). Quanto à organização do ensino, financiamento e responsabilidades entre as esferas administrativas, nada consta.