Colega,
Como mais uma vez você citou meu nome (pelo menos desta vez não nos chamou de extremistas radicais), dou-me a liberdade de dizer diretamente a você o que penso. E usarei um bom tempo para responder por respeito que ainda tenho à sua pessoa.
Primeiramente, não existe a “turma do Marcelo”, assim como não existe o “grupo do Não”. Ao dizer “turma do Marcelo”, ou grupo, há um tom de segregação e depreciação que – gostaria de acreditar – não seja intencional, mas causa essa impressão – impressão essa reforçada quando você diz estranhar que a direção do sindicato “concorda com a turma do Marcelo” , como se fosse pecado, ou crime, concordar ou discordar de quem temos divergências.
Não tenho “turma”! Sou uma pessoa que defende e luta com paixão pelas coisas que acredito serem justas, e sempre de acordo com os meus princípios!
Felizmente, muitos profissionais que atuam em nossa rede de ensino compartilham alguns princípios e acreditam em muitas coisas das quais eu acredito, mas isso não faz com que estas pessoas façam parte da “turma do Marcelo”, faz apenas com que continuemos lutando, juntos e cada um à sua maneira, pela educação pública municipal, contra o desmonte da educação, as perdas de direitos e retrocessos representados no projeto de estatuto governista. Certamente, um dos princípios que unem essas diferentes pessoas, de diferentes pensamentos políticos inclusive, é o respeito aos processos democráticos, por isso defendemos com tanta convicção a assembleia realizada no dia 08 de novembro, que aconteceu de forma legítima e legal, muito embora compartilhamos do desejo de que fosse uma assembleia com a mais ampla participação e conhecimento do conteúdo! Tanto é que, nós que somos contrários ao projeto do governo, em todas as plenárias reivindicamos a mudança da data, lembrando o evento do PNAIC na quinta, ressaltando que o HAJA EJA no mesmo dia dificultaria a participação dos colegas da EJA e defendendo que a mudança possibilitaria aos profissionais de toda a rede discutirem as propostas de estatuto na reunião pedagógica do dia 09 de novembro. Porém, não ouvimos nem vimos nenhum colega favorável ao projeto do governo questionar – antes e durante a assembleia – a mudança da data ou manifestar preocupação com a participação dos colegas da EJA. Muito pelo contrário, até o momento que acreditava que estaria em maioria, o autodenominado “Grupo do Sim” nos exigiu respeito aos processos democráticos e defendeu a legitimidade da assembleia (esta inclusive foi a fala da colega Shirley na assembleia).
Embora na minha opinião não tenha sido no melhor lugar nem na melhor data, a assembleia foi convocada dentro dos preceitos legais, conforme o Estatuto do sindicato e amplamente divulgada por todos os meios possíveis. Na primeira vez que se perguntou quem era a favor e quem era contra a proposta governista já foi possível perceber, por contraste visual, que a maioria era contra. A direção do sindicato, por excesso de zelo ou por não querer acreditar no que via – decidiu fazer outras formas de votação para conferir o resultado e, em que pese minhas divergências com esta direção, penso que a decisão de fazer as outras duas formas de votação se mostrou acertada, porque não deixou dúvidas quanto ao resultado.
A decisão da assembleia do dia 08 de novembro apenas reiterou as outras cinco vezes que, desde 2010, os trabalhadores foram questionados – em assembleias ou em consultas – se eram favoráveis ou contrários ao projeto do governo! Destaque para própria consulta realizada pela SE no ano passado, com urnas por regiões; e para a consulta realizada pelo sindicato, com urnas nas escolas: o resultado também foi a rejeição do projeto governista!
Além disso, as assembleias são mecanismos de participação direta e são legalmente espaços de decisão coletiva, quer conte com cinco, quer conte com cinco milhões de pessoas! Quantos funcionários públicos somos em SBC? 16 mil? Pouco mais, pouco menos… Pois bem! Quantas assembleias salariais tivemos desde 1989, quando o sindicato foi criado? E quantas delas contou com a maioria absoluta do funcionalismo? E quantas teve questionada a legitimidade por conta da quantidade de participantes? Eu respondo: NENHUMA! A assembleia extraordinária da Campanha Salarial deste ano, por exemplo, contou com cerca de 200 funcionários que, por uma maioria duvidosa, decidiram por aumento zero para cerca de 16 mil trabalhadores!
Fora o questionamento da oposição sindical com relação à convocação e à condução da assembleia extraordinária da Campanha Salarial, não houve por parte de ninguém absolutamente nenhum questionamento em relação à quantidade de pessoas, porque é de conhecimento geral que as assembleias decidem em segunda convocação por maioria simples dos presentes. Este é um preceito legal do Estado Democrático de Direito que visa garantir a exequibilidade das decisões e, assim, da própria democracia. Do contrário, por exemplo, jamais poderíamos considerar legítimas as assembleias de Conselho de Escola ou da APM, pois jamais contam com a totalidade dos membros aptos a decidir (equipe escolar e comunidade).
Como alguns colegas que ora querem impor o projeto governista disseram, quem não participa da assembleia delega a quem participa o direito de decidir por todos. Afinal, salvo impedimentos concretos, não comparecer e não participar de uma assembleia também é um direito, e uma opção. O que não é direito é contestar depois as decisões tomadas – isso é típico de regimes de exceções, não de regimes democráticos.
Que o governo não reconheça as decisões de uma assembleia de trabalhadores é até compreensível – embora não seja aceitável –, mas daí alguns trabalhadores, que até então a consideravam legal e legítima, ajudar o governo a passar por cima dela, isso já é um disparate, um ato profundamente desrespeitoso a todos os trabalhadores e ao processo democrático, pois demonstra claramente que – assim como para governo – o que menos importa é a decisão coletiva, mas sim impor de qualquer maneira, e por quaisquer meios, os seus desejos.
Se o abaixo-assinado solicitando outro (o sétimo!) processo de consulta por si só representou esse desrespeito aos processos democráticos; se algumas formas de recolher as assinaturas se mostraram artimanhas, eticamente e moralmente questionáveis; o uso que agora governo e “Grupo do Sim” fazem dele pode ser considerado legalmente questionável, simplesmente porque os trabalhadores que o assinaram subscreveram um texto que solicita uma nova consulta, e não que apoia “inequivocadamente” o projeto de estatuto do governo. Alguns trabalhadores que assinaram o abaixo-assinado, inclusive, têm se manifestado com indignação pelo uso desvirtuado que estão fazendo das assinaturas deles.
Como um grupo de pessoas pode exigir respeito quando se coloca acima do processo democrático e – herança maquiavélica – fazem do debate do estatuto um campo de disputa, um jogo de vale-tudo em que, depreendem-se por suas ações, os fins justificam os meios?
O processo de construção da proposta de Estatuto, por parte dos trabalhadores, envolveu cerca de 9 mil profissionais de forma direta e indireta; realizamos um Congresso de cindo dias com cerca de 600 representantes de todos os segmentos e de todos as unidades escolares. Os trabalhadores discutiram e decidiram letra por letra, palavra por palavra, frase por frase, artigo por artigo, capítulo por capítulo… Todos tiveram iguais direitos à fala e a voto, sem privilégios! Desta forma, mesmo se fosse verdade que assim fizéssemos, não teria como legislar em causa própria. Não foi aprovado o projeto da “turma do Marcelo”, foi aprovado o projeto de Estatuto dos Profissionais da Educação elaborado pelo conjunto dos educadores da rede!
A afirmação desdenhosa – “essa turma legisla em causa própria” – não é apenas ofensiva à medida que desconsidera nosso histórico profissional, nosso compromisso político com a educação e com a gestão democrática; é uma afirmação caluniosa, porque não é verdadeira e não tem fundamento! Lamento que tenha sido dito por uma pessoa que, pelo pouco que a conheço, até aqui nutria algum apreço e algum respeito.
É legislar em causa própria defender a proposta elaborada pelos profissionais da educação, uma proposta que reconhece e valoriza de fato todos os trabalhadores, sem exclusão, e compromete o município a oferecer condições adequadas de trabalho e investimentos equitativos em todas as escolas? É legislar em causa própria lutar contra o desmonte da educação pública, contra a instauração de mecanismos de partidarização nas escolas, contra a perda de direitos e outros tantos retrocessos prenunciados no projeto do governo? É legislar em causa própria lutar pela manutenção de concurso público para todos os cargos, quando sabemos que as funções gratificadas, ainda mais nos moldes pretendidos pelo governo, transformará as escolas em campo de disputa político-partidária relegando para o último plano o debate a respeito dos projetos políticos pedagógicos? É legislar em causa própria lutar contra a extinção de cargos, quando sabemos que essa extinção vai prejudicar centenas de trabalhadores e a educação pública municipal, isto é, toda a população municipal, principalmente a diretamente usuária da rede de ensino? É legislar em causa própria não ceder a ganhos imediatos por saber que eles se darão em prejuízo a todos os trabalhadores e à educação? É legislar em causa própria lutar pela manutenção da rede de apoio à inclusão, isto é, pela manutenção dos cargos de Professor da Educação Especial e da Equipe de Orientação Técnica, quando sabemos que a educação pública de SBC tornou-se referência nacional também pela existência dessa rede de apoio? É legislar em causa própria lutar contra a terceirização do serviço público, quando até mesmo o governo federal, por meio das resoluções e diretrizes sobre a educação, considera danosa a terceirização? É legislar em causa própria lutar contra a transformação do cargo de professor em cargo “amplo”, quando sabemos que tal transformação descaracterizará as especificidades dos professores, sujeitando-os a trabalharem da creche ao EJA independente de suas vontades? É legislar em causa própria defender que todos os profissionais do apoio sejam reconhecidos e valorizados de forma justa, com um plano de carreira que não os trata como sujeitos de segunda ou terceira classe? É legislar em causa própria defender a equiparação salarial dos professores substitutos, a melhoria dos salários dos coordenadores pedagógicos, lutar pelo cumprimento do estatuto atual, pelo pagamento das progressões devidas pelo governo sem que acarrete em nos reconhecidos prejuízos à educação e a todos os trabalhadores? É legislar em causa própria lutar pela criação de um quadro de professores substitutos concursados, quando sabemos o quanto esta rede carece de professores substitutos? É legislar em causa própria lutar pela manutenção e ampliação dos cargos do apoio operacional, como os de merendeira e zelador escolar, lutar pela criação do cargo de auxiliar de limpeza escolar, quando sabemos as condições precárias de funcionamento e manutenção de nossas escolas? É legislar em causa própria defender que os professores sejam valorizados pelo seu trabalho em sala de aula, pela sua competência no exercício de seu cargo, e que não precisem se afastar da sala de aula para que possam receber um salário maior? É legislar em causa própria defender que todos os trabalhadores sejam valorizados pelo tempo de efetivo exercício, porque experiência também corresponde à acúmulo e construção de conhecimento que reflete na qualidade da prática? É legislar em causa própria opor-se a um plano de carreira governista com critérios de progressão horizontal injustos, impraticáveis e assediosos? É legislar em causa própria esclarecer que, com o fim da GLE e dos abonos (embora sejamos também críticos à política de gratificações e abonos) alguns trabalhadores terão perdas em seus ganhos salariais, mesmo com os supostos dez por cento de aumento? É legislar em causa própria defender os processos democráticos e reconhecer acertos em uma direção sindical da qual temos profundas divergências e, quando temos discordâncias, é legislar em causa própria não se omitir em debatê-las? É legislar em causa própria lutar por um sindicato de fato representativo de todos os trabalhadores? É legislar em causa própria manter como princípio norteador de nossas ações a educação pública de qualidade e a defesa de um estatuto para todos os trabalhadores, sem perdas de direito e sem retrocessos?
Se por legislar em causa própria você estiver se referindo a isso tudo e mais um tanto que continuamos lutando ao não nos omitir na defesa do projeto elaborado coletivamente por mais de dois anos pelos profissionais da educação dessa rede, a expressão correta não é “legislar em causa própria”, é simplesmente ser coerente com os princípios educativos e democráticos. Nada mais que isso. Qualquer coisa fora disso, é algo entre deturpação, distorção, cegueira e devaneio – para não dizer, novamente, calúnia.
Não gosto de tornar pública a minha vida particular, mas preciso dizer que a sua afirmação de que legislamos em causa própria não me ofende apenas profissional e politicamente, ofende a mim pessoalmente e à minha família, por três motivos: ainda com o projeto nefasto do governo, eu teria um ganho salarial imediato, do qual também necessito, nem por isso fico propagandeando aos colegas vantagens que não são reais; tenho uma irmã que é auxiliar em educação na rede, e mesmo com as pseudovantagens anunciadas aos auxiliares, ela e tantas outras auxiliares e profissionais do apoio, não se deixou enganar pelo canto da sereia; sou casado com uma coordenadora pedagógica que possui uma firmeza de caráter, um compromisso profissional e uma competência admirável, pessoa que sempre trata a todos com quem trabalha e com quem convive com o maior respeito e humanidade; ela, assim como muitas outras coordenadoras pedagógicas, mesmo diante de um aumento salarial que chegaria a mais de dois mil reais, não se sujeita a barganhar o necessário e merecido aumento em troca desse estatuto governista que prejudicará a educação e o conjunto dos trabalhadores a médio e longo prazo. É uma questão de princípios. E princípios não se negociam.
Sei que alguns, infelizmente, mas com alguma razão (considerando a nossa sociedade), falarão: “princípios não pagam a minha conta”… E eu direi: sim; e não. Porque podemos optar como iremos pagá-las: garantindo os nossos direitos sem prejudicar os colegas e a educação pública municipal, ou nos submetendo ao projeto de estatuto que – sabem todos os que não fecham os olhos para as linhas e entrelinhas do projeto governista – é profundamente danoso à educação pública e aos trabalhadores.
Por isso, afinal eu pergunto: quem está legislando em causa própria?