Eu nunca mais vou dizer…

"Eu nunca mais vou dizer o que realmente sinto"...

Porque, se eu disser, o que vai ser, o que importa
Que sentido objetivo, que razão especial, concreta
O que pende, cai ou então o que flutua no espaço
quando digo o que sinto, quando não vêem o que faço
Porque se não é como queria, sinal dos tempos...
Já que não sou rei nem lei nem preciso ser

(Lutarei por ela
mesmo se for em uma guerrilha)

Nunca direi, porque fará inverno
Fará um inverno-inferno, que queimará
as ilusões fantasiadas pela mídia.
Calarei, até chegar a hora da alegria.
Lutarei por ela
mesmo se for em uma guerrilha.

E por mais que eu chore
O mundo estaria aqui
E mesmo que a tristeza continue
junto com a depressão, meu grito é importante
junto a outros gritos
Gritos de liberdade.

Lutarei por ela, pois esta é minha sina
mesmo se for em uma guerrilha.

[M.T.A – Em algum lugar do século que passou…]

Continua…

Ali estava o ponto que negara meses a fio e negara, pois lhe fugia a lógica e sem lógica recusava-se a crer. Dizem por aí que as almas sempre retornam para suas casas e que o reconhecimento é quase que imediato.

Reconheci aquela alma em particular e por medo, mantive distância segura, mas a vida, marota vida, fez o seu estranho balé movendo-me na direção do que eu fugi.

Cá estou, entre os suspiros dos amantes, a ânsia dos amanhãs que parecem nunca chegar e o medo dessa tão intensa entrega.

O que eu faço? Ouço um riso inumano no vento. O que eu faço? -Viva, Tânia. Viva!!

Pedaço de ti

"Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus"

[Chico Buarque - Pedaço de Mim]

A nossa despedida começou muito antes de voltar a ser hospitalizada, quando fui visitá-la em casa e, ao dar tchau, me abraçou e confidenciou baixinho ao meu ouvido: “Deixa falar uma coisa só pra você… eu vou morrer“.

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“Elas se refugiaram na noite, as palavras”…

Há um grito em cada silêncio, 
Uma pergunta sem resposta,
Um problema sem solução,
Uma equação por resolver.

Somar ou subtrair? Nunca sei.
Nos multiplicamos e nos dividimos
Em fragmentos do que não somos,
Na inconstância de sons e sonhos.

Será que vale a pena acordar?
Um dia, nem que seja por um dia,
Quiçá e aí, então, fugir para o mar.

.

[M.S]

Por Isso Agora Falo

Falo como poeta
Eu sou livre e não sabia
Mas essa inconsistência do papel
E essa minha língua vermelha, mordida
Carne, nervos e sangue - o doce aroma
Corte exposto no indicador esquerdo
Eu sou poeta e não sabia.

Eu sou poeta e não queria
Conhecer a louca esperança tonta
Que faz a escrita toda torta
O vício da rima e o vício da mina
Só, mano, é isso aí! Pra sair do contexto
Nada do que faço é certo
Eu sou o homem no deserto.

Falo com o falo
À flor da pele o hormônio
O palavrão improferível
A idade média da razão
Eu sou o fruto que sai da terra
O ofídio - tal como, frio e paciente
Eu sou poeta e não sentia.

Não sentia que era isso
Essa coisa, esse asco
Essa pedra bruta, esse fiasco
Esse profundo fundorifício
Detalhado na teta e na testa
Marca de fuzil alemão
Que eu nunca vi.

Não, menina, eu não vou fugir
Apenas quero me esconder
Desse jeito meu (seu) de ser
Da fantasia de sua boca na minha
De seus lábios carnudos, calientes,
Tangendo a fímbria do amanhecer...
É que sou poeta e não dizia.

Por isso agora falo.

.

[M.S. / Em algum momento do milênio passado]

Vastidão

Bomba.

       Bamba

Bambu.

O frio corta a alma
que tropeça, calma,
                  sôfrega,
                  trôpega

Cana-de-açúcar
pinga, garapa, 
               tinta
ginga, gincana
cultura química

O corpo, veloz,
corta o vento

A navalha corta
            o tempo
esgotando-se
cada gota rubra
          e espessa

Espera. O dia custa 
a chegar 
Dia composto em roda 
                     de samba
                              raíz

                    Quem diz
que é mais forte
              que o infinito
pode até pensar bonito
            mas engana-se

                   Esgana-se
a cada minuto 
hora segundo
isso é o que eu lia
e me sentia diminuto
nesse mundo mundo
            vasto mundo

Uma rima,
uma solução,
para estar por cima
é aprender a dizer 
                         não

É uma pena!
Como no poema
mais vasto é esse meu 
                      coração.



Imagem em destaque: A Lua, de Tarsila do Amaral