Uma rede em desconexão

A prefeitura de São Bernardo do Campo, em seu site, informa que “Conecta São Bernardo – Professor”, Projeto de Lei aprovado hoje pela Câmara de São Bernardo do Campo, criará modalidade de intercâmbio a profissionais da educação.

A princípio, e em tese, absolutamente nada contra este projeto, embora preliminarmente observei alguns pontos questionáveis, os quais não tratarei neste texto, até mesmo porque o projeto nem sequer foi dialogado com os professores, o que cabe algumas reflexões: os docentes nada teriam a dizer sobre um projeto que diz respeito a eles? Estranha democracia, esta, que faz “para” e não faz “com”, assim como onde se decidem fechar uma escola e só depois (de muita pressão) percebem que teria sido importante conversar antes com as partes envolvidas…

Pensando no projeto uma vez colocado em prática, fica uma pergunta (retórica, pois a resposta já sabemos na prática): haverá professores substitutos para cobrir as ausências dos professores participantes do intercâmbio?

A realidade é que, praticamente dia sim e dia também, nas escolas municipais de SBC, crianças têm de ser distribuídas em outras turmas devido à falta de professores substitutos, o que afeta a rotina regular do trabalho docente e das equipes administrativas e gestoras, além de acarretar sensação de insegurança em crianças e em suas famílias, pela instabilidade da rotina.

A resposta do governo para o quadro defasado, para a quantidade excessiva de falta de profissionais: cobrar, dos diretores escolares, o que eles estão fazendo para diminuir as faltas… Oi?

As condições de trabalho, sob este governo,  estão cada vez mais degradantes, aprofundando o adoecimento dos educadores, esse é o fato.

A falta de insumos básicos, ou sua quantidade insuficente, faz parte das rotinas escolares. Dos itens e das manutenções que comumente são de responsabilidade de fornecimento ou execução da SE, quando solicitados, frequentemente temos como resposta que estão em processo de licitação (Oi? Quase um ano para fazer licitação?), acarretando em gastos não previstos de recursos da APM, prejudicando a plena execução do plano de trabalho.

Escolas tendo de usar recursos da APM, que deveriam ser utilizados em aquisição de materiais pedagógicos, para comprar papel higiênico…

Escolas com problemas frequentes de queda de internet, de linha telefônica, infovia lenta… Funcionários usando seus próprios aparelhos e pacotes de dados para contato de rotina com familiares…

Mudanças no calendário sem discussão prévia, no decorrer do próprio mês, prejudicando a organização e a rotina escolar…

O governo iniciou a gestão com um movimento de escutatória interessante, cuja “executatória” de sua parte é precária, centrada em muita cobrança e nenhuma contrapartida; quanto ao ouvido, foi OLVIDO,  engavetado…

Enquanto isso,  se tornou comum a prática da zero devolutiva a encaminhamentos feitos.

A prometida valorização salarial foi substituída por uma política neoliberal de bonificação por metas a partir de um processo de avaliação desorganizado, para não dizer destrambelhado.1

A discussão sobre a necessária redução da jornada de trabalho dos Auxiliares em Educação segue silenciada.

Para quem assegurou alimentação nas escolas para todos os educadores, teve como realização prática não oferecer nem café nem açúcar. E ai dos funcionários se forem vistos usando uma colher que seja da escola!!!…

Em vez de ampliar direitos básicos, se instituiu a socialização da miséria: se os professores substitutos sempre tiveram de arcar com os custos de transporte para se deslocarem para substituição em outras escolas, o que sempre foi um absurdo, agora nem aplicativo de transporte tem para os demais educadores que necessitam se deslocar entre unidades, ou até o Cenforpe, para cumprirem suas atribuições.

Têm de levar chromebooks para manutenção na Secretaria de Educação? Ah, os diretores levam… Claro, junto com as folhas de frequência. Se vão carregar nas costas, aí é com eles!

Sem prédio que caiba toda a estrutura e todas as equipes, o home office de funcionários lotados na Secretaria de Educação, que seria provisório, se tornou indefinido, senão permanente.

Os profissionais da EOT e Orientação Pedagógica não possuem espaço físico de trabalho, fazendo uso ou participação apenas quando em reunião da Seção. Sem poderem usar transporte por aplicativo, alguns custeiam o próprio transporte nas idas às unidades escolares, a maioria tem feito atendimento remoto, via Meet – e com isso, ficam comprometidas as observações de estudantes, necessárias aos estudos de caso, e as orientações técnicas-pedagógicas que inclusive são essenciais ao apoio à inclusão e ao pleno atendimento das crianças, jovens e adultos com deficiências, transtornos ou com outras necessidades.

O pagamento das progressões atrasadas virou sombra e a anunciada reforma do estatuto virou um conto de assombração, trazendo sérias preocupações aos profissionais, dados os reiterados discursos de cunho neoliberal explanados nas reuniões:  plataformização da educação no horizonte, política de abono por metas sendo implementada sem ampla discussão, riscos de implementação de mecanismos de constituição de equipes escolares a critério da SE, o que implicaria em perda do direito à titularidade nas unidades e riscos de controle político-partidário das equipes escolares…

A lista é grande e você mesmo pode adicionar a sua preocupação nos comentários deste post, isto é, se não tiver receio de ser chamado no gabinete para explicar o porquê usou do seu direito constitucional de liberdade de expressão e de pensamento para manifestar a sua opinião a respeito da situação da Educação Municipal e de SUAS condições de trabalho.


Um PS diretamente aos colegas da Educação

Sobre estas e outras questões, preciso dizer uma coisa igualmente importante: acho triste que outros diretores (assim como outros coordenadores, outros professores e tantos outros educadores ) que se posicionam criticamente em grupos fechados, não o façam publicamente.

A abstenção pública, vocês sabem, é inútil, porque eles mesmos disseram: sabem tudo o que é conversado nos grupos fechados – afirmação, aliás, lamentável, pois pode ser entendida como uma tentativa de coibir manifestações críticas e, portanto, pode ser associada a uma prática assediosa – embora particularmente não acredito que a pessoa tenha tido essa má intenção (é, eu ainda tenho um lado Pollyanna…), de boas intenções o lugar que não é o céu está cheio, não é mesmo?

Sabem tudo o que conversamos nos grupos fechados? Então, não precisavam dizer, porque isso é de conhecimento nosso faz tempo e nem é exclusividade desta gestão. Inclusive, quando alguém faz um comentário mais crítico, costuma-se escrever, ironicamente: “autorizo print”, “vale print” etc.

Se o receio em se manifestar publicamente é o de fechar uma porta, é preciso lembrar que temos muros a desconstruir e pontes a levantar. É a educação pública que está em jogo, não apenas nossos direitos trabalhistas.

You’re just another brick in the wall? Ser ou não ser, por vezes, é questão de escolha.

No mais, quando penso nos que se silenciam publicamente, numa espécie de autocensura, lembro do Ferreira Gullar, que escreveu: “o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz”.

Sejamos vozes.


  1. Sobre o “caos” das “avaliações formativas e a política de bônus na Educação ↩︎

Imagem em destaque: Abed Al Kadiri 

Silente

hoje eu não estou para a música
tem dias que a gente só quer
o barulho dos autos que passam
do vento soprando as folhagens
e às vezes nem isso; só o silêncio

o silêncio mesmo do pensamento
o olhar fechado, quieto, no escuro
o tempo naquela cena, esquecido
o silêncio do coração pulsando
das asas da borboleta pousada

o silêncio das rimas quebradas
dos versos sem prosódias
das ondas lentas, do vídeo pausado
daquela fotografia ali na escada
o silêncio do seu silêncio

mas tudo é grito, nada é sussurro
as passadas sem pressa
e sem qualquer sincronia
das pessoas no outro lado da rua
elas não gritam, trovejam

os sorrisos efusivos
as pálpebras pesadas de sono
a planta florescendo à nossa frente
os sacos de lixo à espera da coleta
gritam, gritam, gritam, só gritam

e eu querendo o silêncio de memórias
das coisas que nunca foram, se foram
o silêncio de uma lágrima perdida
abrindo na face uma ferida de sal
que, invisível, saliente, agita – e grita.

[M.S.]


Quando acaba o que chamamos de infância

NOTA DA PEDRA LASCADA: Em tempos neoliberais, as pressões por resultados se multiplicam, as demandas se intensificam e o trabalho se torna cada vez mais multifacetado, complexo e profundamente burocratizado, ao mesmo tempo em que as condições salariais e de trabalho se precarizam vertiginosamente. Como consequência, cresce o desalento e a sensação de que só nos resta deixar o corpo boiar e a onda do mar nos levar, até que em algum momento recuperemos energia para retomar as braçadas.

Na educação não estamos imunes a este, digamos, fenômeno sócio-econômico e, por vezes, percebemos em nós e em nossos colegas sinais de que estamos chegando num ponto em que nos perderemos, sem possibilidade de nos encontrar. Neste sentido, comenta-se, muito, da necessidade de que os educadores e as educadoras, e especialmente os professores, as professoras e os profissionais do magistério, se reencantem com suas profissões – tarefa giganteca, dado o contexto explicitado acima.

Eis que nos deparamos com reflexões como as formuladas pela professora Geovanna Gomes, em seu artigo “Quando acaba o que chamamos de infância“, e percebemos que é possível renovar o encantamento pedagógico; existem muitos caminhos a trilhar e ele passa não apenas em olhar para a frente, mas sim essencialmente recuperarmos o olhar para a infância, buscando reconciliar a infância passada e a infância presente, a criança que fomos, e que carregamos conosco, e as crianças com que lidamos… Essa é uma viagem por nós e a nós mesmos, viagem necessária para se apurar os olhares, os sentidos e a razão. Assim, convidamos você a ler o artigo, publicado originalmente no blog Somos Todos Educadores.

Boa leitura!

Sobre o “caos” das “avaliações formativas e a política de bônus na Educação

  1. Contextualizando…
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Soneto do Pretérito Nada Perfeito

Os cantos de sereia por aí estão 
No sibilo de outros ventos
Prenunciando, a pretexto de novos,
Velhacos e velhos tempos.

Semeiam caos, colhem desilusão
É preciso resistir aos revezes...
Em suas tezes, as suas teses
Já não escondem (transparentes que são).

Nesse jogo de antecipação
Em que os meios o fim justifica
Tudo pode e nada com nada fica.

O fatídico discurso não se inventa:
É uma ponte para o futuro
Logo ali nos anos noventa.

[M.S]

Secretaria de Educação organiza eleição de representantes para comissão sobre Estatuto

A Secretaria de Educação de SBC encaminhou rede aos profissionais da educação organizando eleição para comissão de representantes de trabalhadores para discutir cronograma de pagamentos de progressões atrasadas e, ainda, revisão do Estatuto dos Profissionais da Educação.

Primeiramente, causa no mínimo estranheza que o governo, na figura de uma pasta sua, a SE, conduza o processo de eleição de representantes de trabalhadores para discutirem e negociarem consigo mesmo (governo).

Quanto à revisão do Estatuto, defendo sim a eleição de uma comissão ampla de representantes de trabalhadores da educação para construírem uma proposta, considerando tanto a proposta já construída coletivamente em outros processos, como as necessárias atualizações à luz de novas realidades e novos contextos.

Todavia, por mais que o governo utilize a expressão “transparência”, o fato de ele próprio conduzir a eleição já impõe, na largada do processo, uma sombra que embaça a transparência alegada – a votação será pelo Portal da Educação, ferramenta de controle único e exclusivo da administração, que fará a apuração dos votos.

Em que pese todas as críticas que tenho à atuação da direção de nosso sindicato, cabe à representação legal dos trabalhadores, que é o Sindicato dos Servidores Públicos e Autárquicos de São Bernardo do Campo, e não à Secretaria de Educação, conduzir a eleição da comissão de representantes da categoria para a discussão do Estatuto.

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Sobre mudanças e permanências

Aquilo que adoecia ainda adoece e desta vez acabo – por algum sentimento egoísta – me sentindo aliviado por não estar no olho do furacão. Mas sinto por meus pares, sinto muito mesmo e aqui têm publicamente a minha solidariedade, porque, de verdade, sinto em mim a angústia que vocês sentem.

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Golpistas não passaram e não passarão.

Não chamarei juiz de herói, assim como não chamo político de mito nem de painho. É vasta a literatura que trata dessa antiga ideologia (poderíamos chamar de fenômeno?) de idolatria a pessoas, da ultrapersonalização e do fanatismo que entorpece análises reflexivas, que embaça a visão e que representa e prenuncia perigos recorrentes nesse endeusamento de pessoas…

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